Metamorfose democra´tica: quando Lula vira “Polvo”

Um governo além de parecer sério deve, acima de tudo, ser sério

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Douglas Magno/AFP

Diz o ditado popular: "A mulher de César não basta ser séria, tem de parecer séria". E, de certa forma, este ditado dá o mote para o pensamento sobre os últimos tempos da cena política brasileira.

A verdade é que a actual cena política brasileira ficou atulhada de uma tinta escura que dificulta a visão, mas vejamos: Luiz Ignácio Lula da Silva, o antigo presidente, esteve no cargo entre 2003 e 2011, antecedendo a governação da actual "Presidenta" e, em conjunto, ambos personificam uma governação de 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT).

Sem dúvida, continuam a usar como propaganda acções como o Programa Bolsa Família, o Mais Médicos, o Minha Casa Minha Vida, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e até a afirmação recente do capítulo Brasil como Pátria Educadora. Apesar de, pessoalmente, considerar ingrato o desprezo com que aparentemente o Governo comunica os feitos, a arrogância com que despreza a acção dos seus antecessores democráticos, assumo que a história é, na sua essência, uma sucessão lógica de acontecimentos cronológicos.

Qualquer das bandeiras e argumentos utilizados, em boa verdade, não são um sucesso exclusivo da governação do PT. Estes são hoje implementados porque alguém preparou o terreno, plantou a semente e, cuidadosamente, regou e tratou do crescimento da árvore que vai dando alguns frutos.

Pedia aqui a todos e todas que aceitam ler este texto que, à cautela, não percam da memória o Plano Real, concretizado no governo de Itamar Franco, operacionalizado por Fernando Henrique Cardoso, e que tem sido determinante para a afirmação económica do Brasil no actual mercado global e até, de certa forma, moldou a forma como o país soube afirmar-se enquanto economia em desenvolvimento.

No concreto ninguém compreenderá os motivos que levam o Governo da "Presidenta" a recrutar o seu antecessor como ministro, assumindo o risco político de dar guarida a um cidadão envolvido na "Lava-Jato", mas colocam-se algumas hipóteses:

a) Recentrar a mensagem do PT nos tempos em que o cabeça de cartaz era outro e controlava uma massa eleitoral superior, dando sinais de que o conteúdo pouco tem de relevante;

b) Fazer cumprir promessas de lealdade entre pares, ou melhor entre criação e criador, salvando Lula das garras da justiça e trazendo o “senhor” para junto da “minha querida”;

c) Acentuar um clima de violência e manifestação nas ruas, em tempos que se revelam de uma reduzida taxa de popularidade governativa (ainda inferior do que a do protagonista do primeiro "impeachment" democrático brasileiro);

d) Vitimização do próprio PT, alegando que o "impeachment" é, afinal de contas, um instrumento característico de um regime fascista, apesar de enquadrado nos normativos e preceitos de governança da República Federativa do Brasil.

Nos dias que correm, a comunicação social tem dado destaque ao mercado das matérias primas, centrando a sua atenção às investigações de um esquema de corrupção dentro da multinacional Petrobras, alcançando vários actores políticos, dos vários quadrantes, da cena brasileira. ?????????????

O passado recente, hipoteticamente acontecido na multinacional Petrobras, na verdade relembra-nos que antes da "Lava-Jato" assistimos já a situações como o "Mensalão", "Pixuleco" e, como todos sabemos, muitas outras investigações e condenações que fragilizaram a relação de confiança que deve existir entre eleitores e eleitos.

Se, no dia de hoje, notamos que Lula poderia ser uma referência à série italiana “O Polvo”, lançada em 1984 e dedicada à "famiglia" italiana, parece difícil perceber se na verdade estamos perante Lula, "Choco" ou "Polvo" — de qualquer forma, esta família de moluscos tem como característica comum a ausência de espinha dorsal.

Curioso o facto de, após alguma leitura, poder hoje recuperar um dos primeiros escândalos brasileiros, ainda dos tempos da ditadura militar. O caso "Panair do Brasi", no já distante ano de 1965, ilustra bem a gravidade e os perigos da interferência da política no mundo económico e a necessidade de garantir sempre a boa divisão de poderes.

Acho oportuno voltar a escutar uma música dos Legião Urbana: “Que país é esse?”. Importa agora — para além de obras, investigações e esquemas — recentrar a acção governativa na prestação de serviço aos cidadãos e cidadãs e atrevo-me até mesmo a regressar ao que interessa em César: Um governo além de parecer sério deve, acima de tudo, ser sério.

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