Primeiras deportações para a Turquia foram pacíficas, mas as dúvidas persistem

Nenhuma das primeiras pessoas deportadas da Grécia pediu asilo na Europa e a maioria vem do Paquistão e Bangladesh. Acordo com a Turquia para cortar número de refugiados na Europa entrou oficialmente em marcha.

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Migrantes e refugiados embarcaram em Lesbos rumo à Turquia Giorgos Moutafis/Reuters
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Activistas protestam em Lesbos Giorgos Moutafis/Reuters

As primeiras deportações automáticas de migrantes e requerentes de asilo chegados às ilhas gregas depois do dia 20 de Março começaram esta segunda-feira, tal como ficou agendado no momento em que a União Europeia selou com a Turquia um polémico acordo para tentar conter o fluxo migratório no Mediterrâneo. Vigiados por dezenas de agentes da polícia europeia de fronteiras, 202 migrantes retirados de campos de acolhimento nas ilhas de Lesbos e Chios embarcaram ainda durante a madrugada em três ferries que os levaram sem incidentes para a pequena cidade turca de Dikili e para o mesmo país que deixaram nas últimas duas semanas em embarcações periclitantes.

O mecanismo de deportação automática é crucial para que a nova estratégia europeia para os refugiados funcione. Os Vinte e Oito querem manter migrantes e requerentes de asilo do outro lado do Mediterrâneo, na Turquia, onde já vivem cerca de 2,5 milhões de refugiados sírios. A União Europeia encerrou por isso a rota do mar Egeu, por onde se dá a esmagadora maioria das entradas “irregulares” no continente. Não sendo possível travar completamente as novas chegadas — os estados-membros prometem “destruir o modelo de negócio dos passadores” no futuro —, encerrar a rota do Egeu faz-se mandando de volta para a Turquia todas as pessoas que viajem para a Grécia sem autorização.  

As operações desta segunda-feira foram um primeiro teste à capacidade de Grécia e Turquia processarem e expulsarem migrantes e requerentes de asilo que arriscaram a vida para chegar à Europa e fazê-lo pelo menos ao mesmo ritmo que outras pessoas tentam a mesma viagem. A tarefa levanta sérias dúvidas sobre a viabilidade do acordo e a própria data para o começo das deportações vinha sendo encarada como demasiado ambiciosa. As primeiras viagens deram-se na data marcada e sem incidentes — uma vitória para a chanceler alemã Angela Merkel, que sofre a pressão da entrada de mais de um milhão de refugiados no seu país só em 2015. Apesar disso, as travessias desta segunda-feira continuam sem responder às principais inquietações sobre a estratégia europeia para os refugiados.

Os ferries transportaram sobretudo migrantes do Paquistão e Bangladesh, que em condições normais já seriam deportados da Grécia. Aliás: os dois únicos sírios que regressaram esta segunda-feira à Turquia tinham pedido para o fazer e nenhuma das 202 pessoas “expulsas” pediu asilo na Grécia durante a sua estadia. O caso será diferente para as cerca de 2000 pessoas que já pediram asilo e que chegaram ao país depois de 20 de Março, o que, em teoria, os forçará a ser deportados caso se prove que partiram da Turquia — a única possibilidade de um sírio ou iraquiano evitar a extradição é ter viajado para a Grécia de um país que a União Europeia não considere seguro, como diz agora que é o caso da Turquia.

Entraram cerca de 6000 pessoas na Grécia desde a data-limite de 20 de Março e quase todas serão deportadas se as autoridades fizerem valer o compromisso com a Turquia. Estão todos formalmente detidos, em centros de acolhimento que ameaçam ficar sobrelotados caso o ritmo das deportações não acelere. As autoridades acabaram por expulsar apenas um terço das 600 pessoas que tinham planeado deportar esta segunda-feira. A imprensa turca sugere que este número pode aumentar para a casa dos 700 até quarta-feira, mas só nas 24 horas que antecederam as viagens chegaram 339 pessoas por mar à Grécia. Em todo o caso, numa entrevista telefónica com Angela Merkel, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, sublinhou “um dia importante” em que “se pôs em marcha uma parte central” do acordo.

“Um por um”

Numa demonstração de que as operações desta segunda-feira são sobretudo simbólicas, aterraram na Alemanha dois aviões com 16 refugiados sírios cada e uma outra aeronave com 11 sírios na Finlândia. As viagens são supostamente resultado da chamada regra do “um por um”, em que a União Europeia se compromete a receber um refugiado sírio vindo da Turquia por cada sírio reenviado desde a Grécia — é dada prioridade a famílias sírias na Turquia em condições particularmente vulneráveis. O acordo deixa de fora iraquianos e eritreus, a quem países como a Alemanha oferecem asilo em quase todos os casos, e todas as outras nacionalidades que, juntas, representam metade de todas as pessoas que fazem a travessia marítima para a Europa. Desde o início deste ano, já 171 mil pessoas o fizeram. Mais de 700 morreram.

A desproporcional chegada de 43 sírios à Alemanha e Finlândia — quando comparada com as duas pessoas da mesma nacionalidade que viajaram esta segunda-feira para Dikili — sugere um esforço da parte do Governo turco em demonstrar que o acordo que selou com a União Europeia será eficaz e aplacar as críticas à maneira como trata os refugiados no seu território — Ancara foi recentemente acusada pela Amnistia Internacional de ter expulsado centenas de refugiados para a Síria só nos últimos meses. Na opinião da revista alemã Der Spiegel, o principal das operações desta segunda-feira foi o seu simbolismo. “O plano dá o sinal correcto, que se associa à mensagem de que aqueles que precisam de protecção continuarão a receber ajuda para encontrar formas legais de chegarem à Europa.”

 

 

 

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Ferry transporta migrantes e refugiados para a Turquia ARIS MESSINIS/AFP
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