Demissão de ministro faz tremer Governo de Cameron

Ian Duncan Smith diz que cortes nos apoios aos deficientes são "profundamente injustos". Ministério das Finanças recua, mas polémica abala a reputação de George Osborne.

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Cameron foi ao Parlamento defender o seu ministro e aliado Hannah McKay/Reuters

É a crise política que o primeiro-ministro britânico queria a todo o custo evitar num momento em que tinha já de navegar as águas agitadas de um partido dividido pelo referendo à União Europeia em que ele apostou tudo. A três meses da consulta, David Cameron viu-se confrontado com a demissão de Ian Duncan Smith, um dos pesos-pesados do Governo que, ao bater com a porta, acusou o executivo de insensibilidade social, pôs em causa o Orçamento e deixou na corda bamba aquele que é o seu principal aliado, em Downing Street e na campanha para o referendo, o ministro das Finanças, George Osborne.

O ambiente já tenso incendiou-se a tal ponto durante o fim-de-semana que o Daily Telegraph, jornal próximo de Cameron, escreveu que esta é “a pior crise no Partido Conservador em duas décadas” – descrição que diz bem do estado de um partido que faz da dissensão modo de vida. Um antigo líder, Michael Howard, viu-se mesmo forçado a vir a público pedir aos colegas que “se acalmem” e “se lembrem das responsabilidades que o partido tem perante o país”. Mas vários deputados exigiram explicações e houve quem sugerisse o afastamento do ministro das Finanças, George Osborne.

A tempestade desabou com a demissão, sexta-feira, de Duncan Smith, desde 2010 ministro do Trabalho e Assuntos Sociais e um dos membros do Governo que apoiam a saída do Reino Unido da UE. Duncan Smith saiu em protesto contra os cortes “profundamente injustos” e “indefensáveis” nos apoios às pessoas com deficiência previstos no Orçamento, apresentado por Osborne dois dias antes. Em causa uma redução de quatro milhões de libras (mais de cinco milhões de euros) inscrita no mesmo documento que previa uma diminuição da carga fiscal que vai beneficiar sobretudo as famílias de maiores rendimentos.

O primeiro-ministro afirmou-se “perplexo e desiludido” e alguns dos seus apoiantes sugeriram que a demissão tinha sido feita com o referendo na mira. Mas Duncan Smith não recuou e, em entrevista domingo à BBC, lançou um duro ataque não só à austeridade imposta por Osborne – de quem há muito se sabia crítico – como às reivindicações de Cameron de que os tories, sob a sua liderança, dão tanta importância ao equilíbrio das contas como às políticas sociais. “O Governo está demasiado focado na redução do défice, sem ser capaz de dizer que os cortes devem ser aplicados noutros sectores que não apenas naqueles que menos podem suportá-los”, afirmou, revelando que já há um ano tinha ponderado demitir-se.

O jornal The Times noticiou que Cameron está furioso com Osborne, a quem tinha pedido um orçamento isento de polémicas que pudessem fazer descarrilar a campanha para o referendo. Downing Street negou os rumores, assegurando que o primeiro-ministro mantém “absoluta confiança” no seu braço direito. Mas face à confirmação de que o Governo vai recuar nos cortes anunciados – a segunda reviravolta deste Orçamento – é a reputação de Osborne que está em jogo, com vários comentadores a admitir que o fiasco pode ter sido um golpe fatal para as suas aspirações a suceder a Cameron, numa corrida em que o seu principal rival é Boris Johnson, mayor de Londres e principal defensor do “Brexit”.

Cameron foi nesta segunda-feira ao Parlamento, numa intervenção em que elogiou o “enorme contributo” de Duncan Smith, ao mesmo tempo que listou as políticas sociais adoptadas pelo actual Governo e afirmou que “nenhuma delas poderia ter sido possível” sem o rigor nas Finanças adoptado por Osborne. Os ânimos parecem ter acalmado, mas a crise expôs o quão profundas são as fracturas dentro do partido e a guerra fratricida em que promete transformar-se a campanha que ameaça minar a liderança de Cameron, seja qual for o resultado da consulta.

 

 

 

 

 

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