Marcelo falou de banca em Madrid e da “dignidade da vida humana” no Vaticano

A primeira visita oficial do Presidente termina esta quinta-feira em Madrid. Marcelo Convidou o Papa Francisco e Felipe VI de Espanha a visitar Portugal.

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Esta foi a primeira experiência de Marcelo Rebelo de Sousa com batedores, sirenes que abrem espaço entre avenidas apinhadas de capitais europeias. À hora de ponta, no final da tarde desta quinta-feira, a Paseo de la Castellana, uma das principais avenidas de Madrid, esteve temporariamente fechada em direcção ao Palácio Real, para que o carro com a bandeira portuguesa transportasse o Presidente à companhia dos reis, Felipe VI e Letícia, para o jantar que resume esta visita oficial à capital espanhola.

De manhã foi assim também, no Vaticano. Marcelo é Presidente há uma semana e dois dias, e esta foi a sua primeira deslocação em funções. Escolheu trazer para o presente a mais antiga memória diplomática do país. Começou por visitar a primeira entidade a reconhecer a independência de Portugal — o Papa — e terminou a visita, de três dias incompletos, em Madrid, a capital do reino vizinho, cujos proverbiais ventos ameaçam (contra a vontade de Marcelo) casar à força a banca ibérica, quase 900 anos após a separação dos dois Estados. E o tema esteve à mesa da conversa com o rei de Espanha.

Marcelo arrumou a alínea numa enumeração, no capítulo “as relações económicas e financeiras”, com que resumiu aos jornalistas o encontro em Madrid. Mas seria mais específico. O encontro “ultrapassou as expectativas”, disse. Mesmo que se tenha falado de banca… E da “espanholização” do sistema financeiro português. “É conhecida a minha posição sobre essa matéria”. Contra o “exclusivo” de um Estado num sector-chave, “como é o sector financeiro”, sobre o outro.

Com o apoio de Espanha à candidatura de Guterres assegurado, e uma visita dos reis espanhóis a Portugal acertada para o final do ano, ou início de 2017, Marcelo admitiu também ter falado do Brasil, no contexto das relações de Portugal e Espanha com a América Latina. Mas, tal como havia feito em Roma, de manhã, Marcelo recusou comentar a situação política brasileira. “Não cabe ao Presidente opinar sobre o que se passa no Brasil.”

Entre Roma e Madrid, Marcelo queria reforçar o simbolismo. Queria falar de “soberania”. “Volvidos mais de oito séculos há aqui o reafirmar de um relacionamento”, avaliou Marcelo, falando com os jornalistas portugueses, na Sala dos Mapas do imponente palacete romano que acolhe a embaixada portuguesa junto da Santa Sé.

Faltavam três minutos para as 10h desta quinta-feira quando Marcelo Rebelo de Sousa abriu a porta traseira do potente carro Maserati que o deixou à porta do Palácio Apostólico, numa das extremidades do Pátio de São Dâmaso, no Vaticano.

Francisco, ao contrário do Papa interpretado por Michel Piccoli, no filme Habemus Papam, de Nani Moretti, não está ali a jogar vólei. Em vez disso, como é regra nestas circunstâncias, a receber o Presidente está um cortejo, também ele com o seu quê de cinematográfico, de nove ‘gentis-homens’, leigos que fazem parte do protocolo do Vaticano, vestidos de fraque e com reluzentes medalhas e cordões. À frente, no topo da carpete cerimonial, o conhecido arcebispo Georg Gaenswein, prefeito da Casa Pontifícia, é o primeiro a cumprimentar o Presidente. Ao lado, alinhados nos seus uniformes coloridos, desenhados por Miguel Ângelo, há 500 anos, 12 guardas suíços, o exército do Vaticano, prestam honras militares, com armas do Renascimento, como lanças e machados medievais.

Marcelo passa por baixo da varanda Pio IX, onde está hasteada a bandeira portuguesa e dirige-se ao encontro de Francisco, que o recebe com um “bem-vindo”. Ofereceu ao Papa seis casulas – paramentos ou vestes rituais usadas pelos sacerdotes – uma por cada cor do tempo litúrgico: verde, roxo, azul, vermelho, branco e rosa. As casulas foram desenhadas pelo arquitecto português, comunista, Álvaro Siza Vieira. Marcelo levou ainda a Francisco uma prenda pessoal, um “registo” de Santo António, da sua colecção privada.

Recebeu do Papa a prenda destinada a todos os chefes de Estado, um medalhão com ramos de oliveira entrelaçados, símbolo da paz. Francisco sublinhou, falando em espanhol, a língua franca do encontro, que, segundo Marcelo, “os governantes têm como obrigação construir a paz”. Marcelo trouxe ainda dois livros, em português, que correspondem aos dois pontos altos da doutrina de Francisco. A exortação apostólica A alegria do Evangelho e a encíclica Laudato Sii, sobre ecologia.

O chefe de Estado trazia um “convite formal do Estado português” para que Francisco visite Portugal em 2017, por ocasião do centenário de Fátima, mas a intenção é não resumir essa visita ao santuário. Marcelo fez o balanço nas entrelinhas: “Não estou, neste momento, autorizado a poder dizer publicamente a posição do Santo Padre. O que posso dizer é que saí muito feliz da audiência.”

Marcelo saiu “feliz” da audiência e resumiu-a, nesses termos aos jornalistas. Mas o site oficial do Vaticano adiantava outro tema de conversa que o Presidente não revelou: foi feita uma “referência especial” ao “debate na sociedade sobre a dignidade da vida humana e sobre a família”. Ou seja, eutanásia, procriação medicamente assistida, e todos os temas que anteriormente se designavam por “fracturantes”. O Presidente preferiu não entrar em “pormenores” sobre o encontro com o Papa. “Se entender adequado, pronunciar-me-ei sobre o tema em Portugal. Até agora não entendi adequado.”

Depois desta audiência, o Presidente visitou, em passo apressado, a Basílica de São Pedro, apinhada de turistas de todas as nacionalidades, paus de selfie e tablets (contra a recomendação de recato que este local de culto ostenta à entrada). Marcelo ajoelhou-se diante do túmulo de João Paulo II e rezou, durante alguns instantes.

Minutos depois, na embaixada, confidenciava aos jornalistas uma intenção: promulgar já esta sexta-feira o diploma que repõe os quatro feriados suspensos em 2012, dois dos quais religiosos, o que “suscitou o agrado da Santa Sé”.

O Governo, em Lisboa, assistiu a isto tudo, e foi recebendo as informações do único membro do executivo que viajou com Marcelo: o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro. A comitiva foi propositadamente pequena, e viajou sempre em vôos comerciais (TAP e Ibéria), sem alarido. Além de Carneiro, viajaram com o Presidente nove pessoas, entre os quais, António Almeida Lima, o chefe do protocolo de Estado, o embaixador José Augusto Duarte, assessor para as Relações internacionais, e o consultor da mesma área, José Silveira. Os outros elementos da comitiva eram o ajudante de campo, os três membros da segurança pessoal, e os responsáveis pela logística e imprensa.

A ministra da Presidência e Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques considerou esta primeira visita oficial de Marcelo “uma escolha pessoal, política e ponderada”. Marcelo acrescentou, ao fim da noite, em Madrid, “que há uma componente da política externa que não é imediatamente compreensível”, procurando vincar a importância desta visita para além da questão “pessoal”. E da circunstância particular deste novo Presidente de um Estado laico, ele próprio católico. “O Mundo não acaba hoje. Estamos no início de um mandato de cinco anos. Não é uma corrida de velocidade. Não direi que é uma maratona, mas em qualquer caso é uma prova de resistência…”, disse, pensativo, a propósito do Orçamento. Mas a frase tem outro alcance.

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