A realidade silenciada da desigualdade salarial

As mulheres continuam a ganhar apenas 69% do que é pago aos homens. A este ritmo, esta discrepância só será eliminada em 2133, dentro de 118 anos

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No reforço do compromisso em prol da igualdade, a Comissão Europeia aponta o princípio de “trabalho igual, salário igual” como um eixo prioritário de acção, para reduzir significativamente as disparidades salariais entre homens e mulheres. É certo que Portugal regista uma evolução notória em termos de rendimento médio anual auferido por homens e mulheres, mas a equidade está ainda muito longe de ser alcançada. Continua a persistir um elevado diferencial salarial, com as mulheres a ganharem apenas 69% do que é pago aos homens.

Os últimos dados do Global Gender Gap Report mostram que, no indicador da “igualdade salarial”, Portugal encontra-se muito mal posicionado, ocupando a 107.ª posição entre os 145 países comparados, deixando cair o 97.º lugar conquistado o ano passado. Agrava-se a desigualdade, com Portugal a fixar-se atrás da maioria dos países europeus, embora à frente de países como Itália (109.ª) e França (132.ª) e a afastar-se de países como a Noruega (2.ª), que lidera neste indicador. A este ritmo, esta discrepância só será eliminada em 2133, dentro de 118 anos.

A diferença salarial é um problema que afecta todas as mulheres, mas será esta sentida da mesma forma por todas ou poderão existir outras realidades silenciadas? Embora a desigualdade seja transversal a todas as mulheres e ocorra em vários cenários, verifica-se que a situação das mulheres imigrantes se destaca como uma das mais vulneráveis, sendo estas confrontadas com fragilidades que agravam e reforçam esta disparidade.

Os resultados da minha investigação de doutoramento sobre a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional em mulheres imigrantes evidenciam que um dos mais significativos contributos são as barreiras colocadas a nível laboral, com o ingresso das mulheres imigrantes em sectores de trabalho tradicionalmente considerados femininos, em que o seu papel social é demarcado pela invisibilidade e pela fragilidade. A falta de reconhecimento e a desvalorização das suas competências e habilitações impedem-nas de desempenharem funções afins às suas qualificações e habilitações nos países receptores.

Simultaneamente, a gestão acrobática para conciliar a vida pessoal, familiar e profissional leva a que, muitas vezes, estas mulheres vejam as suas vidas sacrificadas, situação que se agudiza quando vivenciam a maternidade. Os obstáculos no acesso aos serviços de guarda de crianças, a ausência de suporte familiar, social e económico bem como as condições laborais empurram estas mulheres para o abandono ou a interrupção da atividade profissional, para se dedicarem aos cuidados da família, recaindo sobre elas o ónus destas responsabilidades.

Assiste-se, após a migração, ao reforço dos papéis tradicionais, pois, no que respeita ao tempo atribuído ao trabalho doméstico, este “fardo” pesa bastante mais sobre as mulheres do que sobre os homens, sendo atribuído a estes uma maior valorização de uma carreira profissional.

Todo este cenário resulta numa limitação à remuneração, numa redução da experiência profissional e do capital económico feminino, limita o potencial no mercado de trabalho e impõe barreiras à evolução e progressão na carreira, o que significa claramente uma desvantagem na conquista laboral e um obstáculo à paridade na situação profissional das mulheres imigrantes.

Pensar a realidade e a vida das mulheres imigrantes obriga a conhecer as suas singularidades e os espaços em que elas vivem. A insuficiência de dados, a nível nacional e internacional, que espelhem com clareza esta realidade pode contribuir para mascarar e acentuar as assimetrias.

Se a igualdade salarial é central na promoção dos direitos humanos, comprometendo toda a sociedade na sua resolução, não pode ser considerada como um duelo que apenas diz respeito às mulheres. Deste modo, torna-se imprescindível alargar o nosso olhar para acções e medidas de carácter político, social e organizacional que valorizem a diversidade e a justiça social.

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