Associações Zero e Fapas pedem mais áreas para vida selvagem em Portugal

Portugal tem de aproveitar a aptidão para a conservação de áreas que estão a ser abandonadas pela população, alertam as duas associações ambientalistas.

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Adriano Miranda

O Fundo para a Protecção dos Animais Selvagem (Fapas) e a recém constituída Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável defendem que Portugal deve reformular a sua Rede Natura, constituir novas áreas para vida selvagem, apoiar, financeiramente, as populações que se mantenham no Interior, pelo serviço que prestam na preservação destas zonas, e ajudá-las a desenvolver actividades económicas compatíveis com a conservação da natureza. Na véspera do Dia Internacional da Vida Selvagem, que se assinala esta quinta-feira, as duas entidades consideram que este é um debate que tem de começar a ser feito na sociedade civil. E de entrar, também, na agenda dos decisores públicos.

A Zero, associação constituída em Dezembro por um grupo de antigos membros e dirigentes da Quercus, faz do zero, a redução absoluta, a sua utopia. E ao mesmo tempo que sonha com zero poluição, zero combustíveis fósseis, zero desperdício de recursos, zero desigualdade social e económica, propõe que o país se empenha num outro objectivo: o “zero destruição de ecossistemas e da biodiversidade”, alargando, pelo contrário, as chamadas áreas wilderness em que, no limite, a actividade humana ficaria, também ela reduzida a zero. No fundo, será a tradução, para outras partes do território português, de exemplos como o da Reserva da Faia Brava, no Côa, ou das zonas de Protecção integral do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Paulo Lucas, que na direcção da Zero assume as áreas da conservação de habitats e de espécies ameaçadas, argumenta que o país tem de começar a pôr em prática os mecanismos de compensação dos municípios do interior previstos na legislação, e apoiá-los, enquanto há gente nesta parte do território, neste esforço de redefinição das atitudes e da própria relação com o espaço natural passível de renaturalização. Um esforço essencial para a consolidação dos habitas de espécies como o lobo e para a preparação do regresso do urso pardo ao nosso país. Os avistamentos deste grande mamífero vêm acontecendo cada vez mais próximo da fronteira norte de Portugal, e os especialistas acreditam que nas próximas décadas o urso, extinto desde o século XIX, vai regressar, entrando por Montesinho.

Já Miguel Dantas da Gama, do Fapas, admite que a grande dificuldade é convencer a sociedade do impacto positivo, no longo prazo, do alargamento de zonas em que a natureza é deixada ao seu próprio cuidado. Dantas da Gama recorda como em Somiedo, nas Astúrias, o urso, que esteve perto da extinção na década de 80, se tornou um símbolo e um factor de auto-estima para a população, com consequências ao nível do crescimento económico, por via do turismo. Enquanto isso, contrapõe, em Portugal nenhum Governo conseguiu casar os interesses da conservação com os das populações locais - que a sentem como um empecilho ao desenvolvimento. Uma perspectiva que, defendem ambos os dirigentes, é preciso mudar.

Postos de trabalho no interior
A concretização do desafio do Fapas e da Zero permitiria, garantem, “a criação de oportunidades para capacitar uma nova geração de jovens cuidadores da paisagem, da biodiversidade e dos ecossistemas no interior. Os trabalhos de renaturalização e aproveitamento sustentável dos recursos resultariam na criação líquida de milhares de postos de trabalho, havendo contudo que compensar economicamente e de forma significativa os municípios e as comunidades locais que hoje estão a perder população, e que já incluam um espaço geográfico inserido em áreas classificadas ou com potencial de renaturalização para criação das denominadas áreas para a vida selvagem (wilderness).

As duas associações argumentam que, para uma iniciativa destas, seria necessário cumprir os mecanismos de compensação do interior previstos na Lei de Finanças Locais e alocar-lhe fundos comunitários, como os destinados ao Desenvolvimento Local de Base Comunitária. Desta forma, insistem, “estariam criadas as condições necessárias ao surgimento de novas actividades e negócios compatíveis com a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas, designadamente a criação de infra-estruturas verdes, bem como a produção e comercialização de produtos locais e dos serviços existentes”. A marca Natural.PT, um mecanismo de organização da oferta e de promoção dos territórios já existente, agrega neste momento 285 entidades, e deve, na sua perspectiva, ser reforçada.

As zonas de wilderness são áreas isoladas, com influência humana limitada. Devem ter pelo menos dois mil hectares sem grandes marcas de humanização, de modo a que os processos ecológicos se desenvolvam sem intervenção humana. “Para que uma iniciativa com este alcance possa vingar, é fundamental que a autoridade nacional em matéria de conservação da natureza e da biodiversidade se envolva activamente, até porque uma parte significativa das áreas potenciais a renaturalizar já se situa em áreas classificadas”, acrescentam as duas organizações. Pelas estimativas de ambas, com base em trabalhos científicos disponíveis, a área potencial de wilderness em Portugal será de cerca de 14 mil quilómetros quadrados, e sensivelmente metade deste valor já se situa em Rede Natura 2000.

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