Vão a Cannes com uma curta e filmar uma longa no regresso

"Lux" é uma curta-metragem de alunos do curso de cinema da Lusófona de Lisboa, seleccionada entre mais de 20 mil candidaturas. Da tela do "glamour" da Croisette à ruralidade do interior português

Chama-se "Lux" e é um objecto singular por variadíssimas razões: é uma curta-metragem feita por estudantes, inspirada em contos populares, e vai ser exibida no Short Film Corner, no Festival de Cannes, de 11 a 22 de Maio, em França. Bernardo Lopes e Inês Malveiro queriam realizar uma curta cuja história se baseasse na cultura popular. Foi aqui que surgiu o conto de Leonardo da Vinci, "Uma aranha no buraco da fechadura": "Depois de ler uma extensa lista de contos que foram propostos pelos professores [da Universidade Lusófona, em Lisboa], fiquei fascinado com a estrutura narrativa. A estrutura era breve e sucinta. Com um único personagem, num único espaço: eu versus o mundo; o conflito que dá dimensão à história. Senti que estes quatro elementos eram, todos eles, compatíveis com a estrutura de uma curta ou média-metragem", explica. "Resolvi, por isso, usá-los como um ponto de partida para a história que ia escrever".

"Lux" conta-nos a história de um escritor com um bloqueio criativo e a tentar encontrar inspiração para a escrita do seu próximo romance. Para ultrapassar este impasse, Pedro, o personagem, cria um fenómeno de fabrico de lâmpadas em sua casa, onde decorre toda a narrativa. Esta analogia entre ter uma ideia e acender uma lâmpada está sempre presente ao longo do filme, bem como o inicio de uma depressão e neurose da personagem principal. São três as personagens desta história, interpretadas pelos actores Sérgio Moura Afonso, que desempenha o papel principal, José Pimentão e Anna Carvalho.

"No início, tínhamos três actores que imaginávamos no papel e o Sérgio era um deles. O que foi engraçado, porque concordávamos que era o que mais víamos naquele personagem e nenhum de nós o conhecia, nunca tínhamos falado com ele. Os actores que participam nos trabalhos da Lusófona não são pagos; vão apenas pela boa vontade. Têm a contrapartida que é a participação no cinema que, se mais não for, dá currículo."

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Os problemas de produção

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É a primeira vez que uma produção académica do curso de Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Lusófona vai participar num festival desta importância mundial, principalmente, depois de seleccionada entre mais de 20 mil candidaturas. Para Bernardo Lopes, o realizador de "Lux", a ida a Cannes acaba por ser o culminar de uma vida académica muito interessante e é sem dúvida a melhor forma de concluir a minha licenciatura". "Ficamos surpresos e felicíssimos. Isto nunca tinha acontecido na faculdade e vimos aqui uma excelente oportunidade para conhecer compradores, produtores e realizadores do meio".

Making of Lux from Filmes Lusófona on Vimeo.

"Qualquer produção académica tem algumas limitações, em termos de co-produção. É muito complicado arranjar um co-produtor do meio, porque é um ambiente completamente diferente. Uma curta-metragem feita por estudantes é amadora e muito mais do que isso, é algo que nunca consegue estar enquadrado na realidade comercial das produtoras profissionais."

O objectivo final deste projecto é não só chegar a um público internacional, mas também ao português. Bernardo acredita que "o filme é feito para as pessoas e não para quem o faz, e acho que esta é uma das chaves para o sucesso do cinema em Portugal. (...) Ir para o estrangeiro é a saída mais fácil, mas eu quero dar todas as oportunidades ao meu país e vou tentar ficar e singrar no mundo cineasta português".

O projecto universitário contou com o apoio do ICA (Instituto de Cinema e Audiovisual), os custos foram adaptados para a realidade do cinema académico e todos os elementos do grupo entraram com uma verba mínima para ajudar na produção do filme, realizado em película de 35 milímetros, porque foi por aqui que o "cinema começou". A textura da película, cuja compra foi financiada pela universidade, permitiu intensificar as características do personagem principal, refere o realizador.

Do "glamour" ao rural

Mas o futuro de "Lux" não fica só por Cannes: "Não só estamos prestes a estrear o filme (nacional e internacionalmente) no circuito de festivais, como acabámos de assinar um protocolo com a nossa universidade, para dar início ao projecto Lux Road Trip."

Esta Road Trip, de 20 de Maio a 10 de Junho, fará paragens por todo o país, através de distribuidoras alternativas e levando a obra a cine-teatros, auditórios e cineclubes de Norte a Sul, onde o objectivo é atingir quer o público escolar quer o público em geral.

A viagem numa autocaravana de quatro estudantes de cinema que levam o seu projecto de norte a sul de Portugal, começando em França, no festival de Cannes, parece ser uma experiência altamente rica e com potencialidade para ser documentada. E é neste sentido que vai surgir a primeira longa-metragem do grupo, onde os estudantes pretendem relatar a jornada na descoberta enquanto cineastas e perceber o seu futuro em Portugal. Com este devaneio, numa viagem de contrastes, o grupo quer passar da tela "glamorosa" de Cannes para a tela "humilde" dos meios rurais.

"O mercardo de curtas-metragens é muito diferente do de longas-metragens. No sentido em que não se comercializam curtas", diz Bernardo, "a ideia é procurar financiamento para produzirmos o filme documental do "Lux Road Trip" e posteriormente comercializar um pacote de exibição que inclua ambos os projectos." "Lux" é o projecto de um colectivo que olha o cinema sem barreiras; sejam elas quais forem.

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