Muitas mulheres e jovens sentem-se esquecidos pelos reformistas

Promessas de mudança e de maior liberdade feitas por Rouhani foram deixadas para segundo plano. Desencanto dificulta mobilização dos eleitores.

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As iranianas constituem mais de metade da população e estão entre as mais instruídas no Médio Oriente Raheb Homavandi/Reuters

Muitas mulheres e jovens iranianos têm poucas ilusões em relação às eleições desta sexta-feira – aguardam desesperadamente por reformas, mas estão a perder a esperança no seu pragmático Presidente, Hassan Rouhani, e na promessa que ele fez de uma sociedade mais livre.

“Não vou cometer o mesmo erro duas vezes. Desta vez decidi não votar”, diz Setareh, um estudante universitário da cidade de Rasht, no Norte. “Votei em Rouhani e foi ele capaz de melhorar a minha situação? Não.”

Os apoiantes de Rouhani esperavam que a sua vitória levasse a mudanças sociais no país. Mas os activistas dizem que pouco, ou mesmo nada, foi feito para conseguir uma mudança política ou uma maior liberdade, já que o Presidente esteve focado em conseguir o acordo nuclear para pôr fim às sanções internacionais que paralisaram a economia. Agora Rouhani e os seus aliados estão com dificuldades para mobilizar as suas duas principais bases de apoio – as mulheres e os jovens.

As promessas do Presidente para aliviar as restrições à Internet também não foram cumpridas. O acesso às redes sociais continua bloqueado, apesar de tanto Rouhani como o Supremo Líder, o ayatollah Ali Khamanei, terem contas no Twitter. Um falhanço que provoca maior desagrado entre os iranianos com menos de 30 anos, que representam mais de dois terços de uma população de 78 milhões e que já nasceram depois da revolução islâmica de 1979. “Não vou votar. Para quê? As minhas esperanças foram negadas”, diz um engenheiro de 27 anos de Teerão que recusa identificar-se.

Altamente instruída
Os poderes do Presidente são limitados, já que a autoridade máxima está nas mãos de Khamenei, que acusa o Ocidente de usar as mulheres como ferramenta para comercializar os seus produtos e satisfazer “as suas necessidades sexuais desviantes e ilegítimas”.

As iranianas constituem mais de metade da população, estão entre as mais instruídas no Médio Oriente, com uma taxa de literacia acima dos 80% e representam 50% das admissões nas universidades. Mas ao abrigo da lei iraniana, os homens podem divorciar-se muito mais facilmente do que as mulheres e a custódia dos filhos com mais de sete anos é automaticamente atribuída ao pai.

As mulheres precisam de autorização dos maridos para viajar para o estrangeiro. São obrigadas a cobrir o cabelo e a esconder as formas do seu corpo, o seu testemunho em tribunal vale metade do de um homem e as filhas herdam metade daquilo que é atribuído aos filhos. Apesar de não poderem candidatar-se a Presidente, podem desempenhar a maioria dos cargos públicos, incluindo estar no Governo, podem votar e, ao contrário das vizinhas sauditas, podem conduzir.

“Que mudança pode haver se eu votar?”, pergunta Miriam, de 26 anos, que perdeu a custódia do filho de oito anos depois de se ter divorciado. “Os reformistas vão dar-me direitos iguais?”

O relator especial das Nações Unidas para o Irão escreveu no ano passado que a situação dos direitos humanos no país “continua a ser terrível”, enquanto um observador da ONU para os direitos das crianças revelou já este mês que as meninas “enfrentam um tratamento discriminatório” nas relações familiares, no sistema de justiça criminal e nos direitos de propriedade”. Atropelos aos direitos humanos que o Irão nega.

Fariba Khamesi, funcionária pública reformada de Teerão, diz que mesmo que os sinais de mudança social sejam poucos, ela não desiste da esperança de um Irão mais livre. “É claro que vou votar. Há muitos problemas como a pressão económica, as leis discriminatórias contras as mulheres, mas se não formos votar, os conservadores vão ganhar mais poder”, diz.

Dores e problemas
Os rivais de Rouhani acusam-no de ter encorajado a corrupção moral ao defender maior tolerância social. Os moderados continuam leais ao sistema teocrático, mas defendem a melhoria das relações com o Ocidente, maior liberdade de expressão e um alívio dos estritos códigos islâmicos de vestuário ou das regras que proíbem o convívio entre géneros.

“Como candidata é meu dever lutar pelos direitos das iranianas”, diz Soheila Jelodarzadeh, candidata reformista. “As mulheres estão determinadas a contribuir para o crescimento do Irão. Ao votarmos podemos atingir esse objectivo.”

As sanções internacionais foram levantadas em Janeiro, ao abrigo do acordo assinado em 2015 em troca das restrições ao programa nuclear aceites pelo Irão, mas serão precisos vários anos para fazer baixar o elevado desemprego ou melhorar o nível de vida.

Hosseini, um estudante de 17 anos cujo pai é operário da construção civil em Mashhad, diz que os políticos moderados negligenciaram os mais pobres. “Vou votar nos candidatos que acreditam nos pilares da revolução. Eles nunca se esquecem de pessoas como o meu pai e compreendem as nossas dores e problemas”, afirma.

Rouhani defende um menor envolvimento do Estado na economia e um impulso para combater a corrupção e aumentar a competitividade para pôr fim ao isolamento internacional e colocar o país de novo a crescer. Tem feitos apelos ao investimento estrangeiro – incluindo das empresas dos Estados Unidos – arriscando um confronto com as poderosas facções conservadoras, que temem a infiltração dos valores e da influência ocidental.

Vários políticos reformistas admitem que ao conseguir o aval de Khamenei para o acordo nuclear, Rouhani esgotou o seu capital político junto do Supremo Líder, ficando sem margem de manobra para reformas internas. “Ele pode querer algumas mudanças mas não é de forma alguma uma figura da oposição ao sistema teocrático”, recorda um diploma ocidental. 

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