Adele levou os prémios, mas os Brit 2016 foram de David Bowie

Com quatro prémios, nas principais categorias, a cantora de 25 foi a grande vencedora dos Brit Awards. Mas o que fica da cerimónia é Lorde a interpretar Life on Mars com a banda que acompanhava David Bowie no seu último concerto.

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David Bowie foi a sombra benigna a pairar sobre os Brit Awards AFP / JUSTIN TALLIS
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Adele, a grande vencedora da noite, foi distinguida em quatro das principais categorias REUTERS/Stefan Wermuth
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James Bay e Justin Bieber protagonizaram um encontro transatlântico AFP / JUSTIN TALLIS
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Os Tame Impala de Kevin Parker levaram para os antípodas o Brit de Melhor Grupo Internacional AFP / JUSTIN TALLIS
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Rihanna teve a companhia de Drake em Work AFP / JUSTIN TALLIS
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Os Coldplay tornaram-se os mais distinguidos de sempre com o Brit de Melhor Banda Britânica AFP / JUSTIN TALLIS

Os Brit Awards vivem na sombra. Não é propriamente novidade, apenas uma constatação que se renova a cada edição. Com os gigantes Grammy da gigantesca indústria americana tão perto, até um peso-pesado no cenário global, como a indústria britânica, se ressente na comparação. “É tradição da celebração anual da música britânica convocar os maiores nomes planetários que conseguir, de forma a fazer a música britânica ficar mal perante o que está a acontecer nos Estados Unidos”, escrevia com humor Alexei Petridis, crítico musical do Guardian.

Nesse sentido, a cerimónia desta quarta-feira na O2 Arena, em Londres, não foi diferente da de anos anteriores. Rihanna foi estrela com aparato de palco e em parceria com Drake para recriação do vídeo libidinoso de Work. O enfant terrible da pop, o canadinano Justin Bieber, proporcionou um encontro transatlântico, em Love yourself, com o inglês James Bay, distinguido na cerimónia como Melhor Artista Britânico a Solo, e The Weeknd mostrou aos Brit, em The hills, como fazer de uma visão progressista do legado R&B matéria para as massas. Não é disso, porém, que se fará a história dos Brit Awards de 2016. Houve uma sombra muito maior, benigna, a pairar sobre a cerimónia. O seu nome: David Bowie.

Adele foi, como se esperava, a vencedora da noite. A autora do recente 25 arrecadou quatro prémios nas principais categorias: Melhor Artista Feminina a Solo, Melhor Single Britânico, para Hello, Álbum Britânico do Ano, para 25, e Sucesso Global. A sua omnipresença na lista dos distinguidos, mesmo igualando o recorde de quatro Brit estabelecido pelos Blur em 1995, não foi surpreendente. A cantora, que interpretou When we were young na cerimónia, é, de facto, a grande esperança (e certeza) da indústria britânica, batendo recordes de vendas dentro e fora de portas. E sabe fazer-se ouvir: ao receber um dos prémios, manifestou o seu apoio a Kesha. A cantora americana luta judicialmente para se libertar de um contrato discográfico que, alega, a obriga a trabalhar com o produtor Dr. Luke, que ela acusa de abuso sexual e de agressão física e psicológica.

Os Bowies de Bowie 

Adele foi, portanto, a grande vencedora. Mas isso sabíamos antecipadamente que iria acontecer. A marca que os Brit Awards 2016 deixam é outra. Porque este ano houve Bowie, inevitavelmente, e, na homenagem à lenda falecida em Janeiro, os Brit saíram vencedores perante os congéneres americanos. Digamos que foi uma vitória da contenção e da celebração musical de um legado, protagonizado por Lorde e pela última banda de palco de Bowie, perante o excesso histriónico e inadvertidamente egocêntrico de Lady Gaga nos recentes Grammy – patrocinado, para piorar as coisas e sem pudor perante a memória do homenageado, por multinacional da tecnologia.

Ao longo da cerimónia, os Coldplay, distinguidos como Melhor Grupo Britânico, tornaram-se, na escala definida pelos prémios, a mais bem sucedida banda britânica de sempre – venceram na distinta categoria por uma inédita quarta vez. Os australianos Tame Impala, banda de culto saída do caldo psicadélico de Perth e que cresceu a pulso até tornar o fundador Kevin Parker um dos nomes mais influentes e respeitados no cenário rock actual, levaram para os antípodas o prémio de Melhor Banda Internacional (Björk venceu na categoria Melhor Artista Feminina Internacional e Justin Bieber na correspondente masculina).

Houve entrevistas na passadeira vermelha, actuações programadas para transmissão televisiva, tentativas de humor por parte dos apresentadores, a dupla de humoristas Ant & Dec, e planos fechados sobre as estrelas na assistência. E depois ouviu-se uma voz vinda do passado, a de Bowie fazendo a contagem decrescente para o lançamento de Space oddity.

Antes, Annie Lennox e Gary Oldman fizeram a elegia do homenageado. Depois, num cenário sóbrio onde sobressaíam os ecrãs onde eram projectadas imagens dos diversos David Bowie que David Bowie nos apresentou, uma banda tocou um medley de Space oddity, Rebel rebelLet’s dance, Under pressure ou Heroes. Não era uma banda qualquer: Mike Garson, Earl Slick, Sterling Campbell, Gail Ann Dorsey, Gerry Leonard e Catherine Russel, os músicos que acompanhavam Bowie no seu último concerto durante a Reality Tour de 2004. Terminado o medley, discreta, juntou-se-lhes Lorde, a neozelandesa de 19 anos que, disse-o Gary Oldman, Bowie admirava ao ponto de a considerar o futuro da música. Ouviram-se os primeiros versos: “It’s a god-awful small affair/ to the girl with the mousy hair.Life on Mars numa interpretação fiel e emotiva, tornado requiem pelo starman que, onde quer que esteja, terá ficado a sorrir, reconfortado, com o momento.

Os Brit Awards foram, como sempre, uma celebração da indústria com pouca história para contar. Mas houve David Bowie. A música de David Bowie, simplesmente, interpretada sem os autores da homenagem quererem tomar para si as suas virtudes e singularidade, como o pareceu fazer Lady Gaga nos Grammy. E isso, sim, já é uma história que vale a pena ser contada.

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