Metal reumático

Com ou sem riffs violentos Mark Kozelek, o homem por detrás dos Sun Kill Moon, acaba sempre por ser comovente e/ou patético.

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Mark Kozelek acaba sempre por ser comovente e/ou patético

Num recanto da internet suficientemente obscuro para albergar fãs de metal que nem sequer se ofendem quando lhes perguntam se executaram algum sacrifício animal na passada semana, um jovem perdido no mundo, que considera o mais recente álbum de David Bowie uma obra-prima e não dispensa elogios aos Sigur Ros, perorava recentemente contra a parceria entre Sun Kill Moon e Jesu. Espumando da boca, puxando os seus longos cabelos negros por lavar, mordiscando a cruz invertida que lhe pende do pescoço, torcendo o pescoço do seu gatinho, o rapaz mostrava a sua incompreensão perante faixas com 14 minutos de duração, para mais quando a maior parte das canções se resumem a um riff repetido incessantemente enquanto um velho mal-humorado confessa pecadilhos com alto potencial indutor de vergonha alheia. Claramente em desidratação existencial à conta do desalinho de chacras provocado pela verborreia de Mark Kozelek, o moçoilo comentava assim a sua perplexidade com uma letra: “He mentions watching boxing matches with his friend, going to a corner market and buying water (..). What’s the point of mentioning any of that?” Este moço sem literatura podia ter optado por anotar as palavras de A song of shadows, terceiro tema do disco e terceiro baseado num riff semelhante a uma lixa a raspar canos ferrugentos: “And I lay down on my bed and I wanna fucking die”, berra Kozelek, enquanto a guitarra solta faíscas e um órgão vai descendo, numa melodia característica dos Sun Kill Moon, “without you my life would be a nightmare”.

A reacção do pobre jovem não é estranha: há quem considere que a poesia de José Miguel Silva não é bem poesia, ou que Carver não é propriamente um escritor. Tire-se o adorno à arte e o ocasional observador entra em transtorno porque se não há moldura então não pode ser pintura. O que Kozelek (o homem por trás dos Sun Kill Moon) faz, há alguns anos, é isso; no caso, e nesta parceria com Justin Broadrick (o homem por trás de Jesu, que faz aqueles riffs de guitarra), há o humor adicional de ouvir Kozelek na sua catarse biográfica com catarata de electricidade em fundo – o resultado não é muito diferente de um António Lobo Antunes irado a fazer de vocalista dos AC/DC. A guitarra eléctrica vai dando lugar à acústica e depois à electrónica, enquanto uma horda de melómanos sem filhos nem hipotecas se questiona: “Sim, mas e onde está a vanguarda?”. É certo que os plimplimplins de Father’s day não são propriamente uma descoberta que revolucione a forma de ouvir música, mas que diferença faz quando a entrega emocional – aquela misteriosa concatenação de palavras, ritmo e melodia – encontra forma de nos comover?

Sim, o conteúdo lírico não anda longe de um velho bêbedo a descrever as maleitas físicas no hall de um centro de saúde, e podemos implicar com estas canções de oito ou nove minutos por serem a repetição de um riff, de um par de acordes num sintetizador (mesmo quando, como em Beautifull you, há uma pinta danada na atmosfera criada), mas seria pouco avisado negligenciar o humor, a candura e a tristeza destas canções de velhos, feitas por velhos, para quem não tem medo de assumir que está a ficar velho. Tinha mais coisas a dizer, mas tenho de ir ao hospital.

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