Família de mulher morta por menor ao volante conforma-se com pena suspensa

Pai que deixou a filha conduzir jipe numa zona residencial pouco movimentada da Charneca da Caparica responde agora por homicídio por negligência

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Enric Vives-Rubio

A família da mulher de 54 anos que foi morta por uma menor que seguia ao volante de um jipe na Charneca da Caparica, em Dezembro de 2013, não exige que o pai da rapariga, que a acompanhava no dia do acidente, cumpra prisão. Basta-lhe uma pena suspensa.

Naquele dia, perante a insistência da filha de 13 anos, o pai deixou-a conduzir o carro e seguiu com ela no lugar do "pendura" e com o irmão bebé ao colo. Era apenas uma viagem de escassas dezenas de metros, o tempo de levar o jipe das traseiras da casa, onde se encontrava, até à porta da frente. Mas a rapariga perdeu o controlo do veículo e acabou por atropelar mortalmente uma vizinha, que se encontrava no quintal de sua casa a estender a roupa. Assustou-se ao cruzar-se com um transeunte e quando se desviou dele pisou o acelerador, em vez do travão. A mulher que estendia tranquilamente roupa no quintal foi esmagada pelo automóvel de 2600 quilos contra a sua própria residência. 

O julgamento começou nesta quarta-feira no tribunal de Almada, com o pai no banco dos réus, acusado de homicídio por negligência. Já a filha não responde por qualquer crime, uma vez que é menor. Teve de recorrer a tratamento psicológico.

"Tenho a imagem de todo o acidente na cabeça", disse, emocionado, o arguido, acrescentando que lhe continua a ser difícil, dois anos depois, lidar com o sucedido. "Nunca pensei que pudesse acontecer o que aconteceu. Tinha a ideia de que conseguia dominar a situação. Não pensei, foi uma decisão momentânea".

O seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, reconheceu que foi um acto “leviano” aquele que desencadeou a tragédia nas duas famílias, a da vítima e a do arguido. Mas contesta a parte da acusação segundo a qual o seu cliente se teria apercebido do risco que constituía permitir à filha que levasse o jipe do descampado onde este se encontrava para a estrada, apesar de se tratar de uma zona residencial com pouco movimento. "Foi uma situação de negligência grosseira", considerou o procurador da República no tribunal, que pediu para o arguido uma pena suspensa de dois anos e nove meses. "Ao levar o bebé ao colo, colocou-se na quase impossibilidade de socorrer a sua filha", criticou. O arrependimento que demonstrou e o sofrimento que os amigos e o patrão testemunharam que ainda sente foram, para o Ministério Público, uma atenuante da culpa.

Já para Ricardo Sá Fernandes, o caso deve servir como alerta para os pais que não vêem mal nenhum em pôr as crianças ao volante: “É uma prática muito generalizada em todo o país. As pessoas fazem isso de uma forma inconsciente, mas é preciso saber que este risco existe".

Recordando como em Portugal se penaliza de forma severa a criminalidade rodoviária, dado o elevado número de acidentes na estrada, já o advogado da família da vítima, Luís Miguel Jesus, explicou como esta não nutre, apesar de destroçada, qualquer ódio pela condutora ou pelo pai. “Para ele, o cárcere não será a solução”, anuiu, depois de o procurador ter proposto a aplicação de uma pena suspensa.

Como a família já foi indemnizada pela companhia de seguros, não pediu nenhuma indemnização em tribunal, onde deverá ser lida a sentença no próximo dia 1 de Março.


O aparatoso acidente aconteceu num feriado e fez a vizinhança acorrer ao local. Os estragos eram mais que muitos, conforme recordou um agente da GNR chamado ao local: “Aquilo estava tudo destruído”.

Um vizinho lembra-se de ver a jovem sair do veículo a tremer, e a chorar, e de ouvir o pai dizer, depois de perceber que a filha tinha escapado à morte: "Estraguei a minha vida e a vida da nossa família".

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