A noite dos barbas longas

A narrativa dos bons americanos perdidos num caos cheio de “bad guys”. É o patriotismo reduzido à sua expressão mais simples e, na sua aparente ausência de ideologia, mais ideológica.

Foto
Bons americanos perdidos num caos cheio de bad guys: 13 Horas

Sendo um “filme de cerco”, o relato dos ataques de 2012 em Benghazi, na Líbia, em que morreu o Embaixador americano, 13 Horas faz, logo no título, uma citação inadvertida: 13 era o número da esquadra sitiada no filme de John Carpenter (Assalto à 13ª Esquadra). Depois faz outra alusão a “filmes de cerco”, porventura mais intencional, aproveitando a maneira como as personagens designam aqueles terrenos, misto de descampado, horta e pasto de ovelhas, nas traseiras do complexo secreto da CIA em Benghazi: zombieland, “terra de zombies”, chamam-lhe. A maneira como Michael Bay filma as vagas de atacantes, silhuetas cambaleantes e desorganizadas, sugere que os “clássicos” da filmografia zombie até lhe terão passado pela cabeça. Mas ainda assim, é a terceira citação que se impõe: Black Hawk Down, o péssimo filme de Ridley Scott sobre uma situação semelhante sucedida na falhada intervenção americana na Somália nos anos 90. E impõe-se esta porque o filme de Bay, muito longe de Carpenter ou Romero, joga no mesmo nível de mediocridade que o filme de Scott.

Para Michael Bay os soldados são “transformers” com sentimentos e famílias. Não há um rasgo de personalidade ou idiossincrasia nas suas personagens que não passe pelo choradinho sentimentalão, pelas cenas de Skype com as muheres e os filhos. De resto, como os transformers, parecem-se todos uns com os outros, com aquelas barbas de lenhador que agora estão na moda, como se isto fosse “os hipsters vão à guerra”. Os diálogos não possuem qualquer espécie de humor ou verrina, e mesmo o estoicismo das personagens é uma coisa mole e sofrida, com tiradas filosófico-poéticas de meia-tijela. Nunca há “política”, nem, para além duns dados de contexto servidos na introdução, qualquer explicação ou reflexão sobre o significado daqueles acontecimentos ou da existência duma base secreta da CIA na Líbia pós-Kadafi: as personagens satisfazem-se com a sua incompreensão e o filme também, interesssado apenas em dar ao espectador a narrativa dos bons americanos perdidos num caos cheio de bad guys. É o patriotismo reduzido à sua expressão mais simples e, na sua aparente ausência de ideologia, mais ideológica: quando, no plano final, se vê uma bandeira americana amarfanhada num charco, imaginamos facilmente um Trump ou um trumpófilo, galvanizado pela lágrima ao canto do olho, a perorar sobre a necessidade de tornar a América great again. Como, enquanto filme de acção, 13 Horas é bastante pobre, naquele estilho espalha-brasas de Bay, mais sub-Tony Scott que nunca, a amontoar planos de um segundo sobre planos de um segundo, estilhaçando espaço e tempo de maneira completamente aleatória, e sem mesmo saber o que fazer com o dispositivo visual mais curioso do filme (os planos do “ponto de vista do drone”, possuidores de um potencial dramático e “topográfico” sempre desaproveitado), serve apenas para mais uma sessão de luto por duas tradições cruciais do cinema americano: o filme de guerra e o épico patriótico. O segredo perdeu-se, e se não se perdeu não foi de certeza às mãos de Michael Bay que foi parar.

Sugerir correcção
Comentar