Muçulmanos de França tentam contrariar vaga de islamofobia

O ano que agora termina, com os terríveis atentados terroristas de Paris, atingiu “um pico” no número de actos islamófobos.

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Protestos anti-muçulmanos em Ajaccio, na Córsega YANNICK GRAZIANI/AFP

“Fora aos árabes!” O slogan gritado por uma centena de manifestantes na Corséga neste sábado é revelador de uma hostilidade crescente em França contra os muçulmanos, depois dos atentados terroristas de Janeiro e Novembro.

Locais de culto vandalizados – como aconteceu sexta-feira na Córsega –, cabeças de porco deixadas à porta das mesquitas, ou mesmo tiros disparados e granadas lançadas contra edifícios frequentados por muçulmanos. Os ataques contra locais de culto muçulmanos multiplicaram-se depois dos ataques contra o jornal satírico Charlie Hebdo e conta um supermercado judaico no dia 7 de Janeiro.

Segundo o Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), uma instância representativa dos cinco a seis milhões de muçulmanos em França, o número de actos islamófobos atingiu “um pico” em 2015. Nos 12 dias que se seguiram ao ataque contra o Charlie Hebdo, a polícia registou 128 actos anti-muçulmanos, um número quase equivalente ao que foi registado em todo o ano de 2014, segundo o Observatório contra a islamofobia do CFCM.

A um ritmo médio, os actos de vandalismo e os insultos dirigidos contra a maior comunidade muçulmana da Europa continuaram a registar-se durante todo o ano, marcado pela decapitação de um director de uma empresa pelo seu empregado muçulmano em Junho e principalmente pela morte de 130 pessoas, alvejadas por jihadistas na noite de 13 de Novembro, em Paris.

Estes acontecimentos trágicos provocaram um aumento dos insultos racistas, principalmente nas redes sociais. Um “ciber-ódio”, denunciado pelo Observatório do CFCM que “apela aos cidadãos a não juntarem no mesmo saco a grande maioria dos muçulmanos franceses, que vivem em paz, com a ínfima minoria que apela à violência e mesmo à morte em nome da religião”.

Outro sintoma: o aumento de votos no partido de extrema-direita Frente Nacional, sempre pronto a condenar a pressão migratória ou a presença dos muçulmanos, que diz ser demasiado visível.

“Em nossa casa, não vivemos com djellaba [túnica]”, lançou no início de Dezembro Marion Maréchal-Le Pen, sobrinha da presidente da Frante Nacional e que foi candidata numa região do Sul de França. “Não somos uma terra do islão, e se os franceses podem ser de confissão muçulmana é só na condição de se sujeitarem ao modo de vida que a influência greco-romana e 16 séculos de cristianismo moldaram”, martelou a jovem figura em ascensão da FN que recebeu 30% dos votos nas eleições regionais de meados de Dezembro.

Chá de fraternidade

Face a estas tensões, o Presidente François Hollande apelou esta semana à “solidariedade” e a “fraternidade”. “É preciso optimismo, mesmo quando somos atingidos por tragédias, porque aquilo que os nossos agressores querem é dividir-nos e separar-nos”, disse o chefe de Estado.

Em paralelo, o Governo multiplicou as acções de firmeza para com os extremistas, ordenando o encerramento de três mesquitas por causa da radicalização ou avançando com um projecto para retirar a nacionalidade francesa a cidadãos com dupla nacionalidade que sejam condenados por terrorismo.

O CFCM também anunciou um novo processo de “certificação” de imãs, esperando que isso permita promover um “islão aberto” e combater a radicalização jihadistas.  

O Conselho também espera fazer renascer “o espírito de 11 do Janeiro”. Nesse dia, milhões de franceses saíram à rua para se manifestarem contra o terrorismo e denunciar as amálgamas entre assassinos islamistas e os muçulmanos de França. Os responsáveis das mesquitas foram convidados a abrirem as suas portas ao público em geral nos dias 9 e 10 de Janeiro para um grande “chá da fraternidade”.

“As pessoas que vierem poderão fazer todas as perguntas que quiserem, mesmo as mais tabu, sobre a nossa religião, a maneira de fazer a oração, enquanto bem um chá e comem bolos. O objectivo é iniciar um diálogo para nos conhecermos melhor e acabar com as desconfianças”, explicou Anouar Kbibech, o presidente do CFCM.

Outro símbolo: em Lens (Norte), uma dezena de muçulmanos foram simbolicamente proteger uma igreja durantes a missa do galo na quinta-feira à noite. Uma iniciativa inédita que tinha por objectivo “dar uma outra imagem dos muçulmanos.”

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