Cientistas criticam “neutralidade” de emissões no acordo de Paris

Proposta de acordo não tem metas de redução calendarizadas.Cimeira do clima prorrogada por mais um dia para resolver divergências centrais.

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ALAIN JOCARD

Foi uma das mais movimentadas conferências de imprensa do dia. A sala estava lotada, com todas as cadeiras ocupadas e muitos jornalistas sentados no chão. O som falhou e as perguntas eram feitas aos berros.<_o3a_p>

Mas o que os cientistas disseram foi claro e ouviu-se bem: o novo acordo climático que está a ser negociado nesta cimeira da ONU em Paris é claramente inconsistente. Promete limitar o aumento da temperatura global a um valor bem abaixo dos 2oC, mas não tem nada que garanta que iremos lá chegar.<_o3a_p>

O problema está numa palavra: neutralidade. Está no terceiro artigo da proposta de acordo apresentada pela presidência francesa na noite de quinta-feira. Diz o texto que os países devem “atingir o pico das emissões de gases com efeito de estufa o mais cedo possível” e “fazer reduções rápidas para atingir a neutralidade das emissões na segunda metade do século”. Numa versão anterior, havia propostas para reduzir em até 95% as emissões de CO2 até 2050.<_o3a_p>

“A retórica da neutralidade implica que teremos de retirar grandes quantidades de CO2 da atmosfera”, afirma Kevin Anderson, sub-director do Centro Tyndall de Investigação em Alterações Climáticas, do Reino Unido. Na prática, as chaminés poderão continuar a debitar CO2, desde que haja uma forma de o absorver depois – pelas florestas ou sistemas de armazenamento. “Aspiração e retórica não irão conduzir a reduções das emissões de CO2. Precisamos é de agir”, completa Kevin Anderson.<_o3a_p>

Com os planos nacionais climáticos até 2030 já apresentados pelos países à ONU – os INDC, que constituem a base do acordo – a temperatura da Terra estará numa trajectória rumo a uma subida de 2,7oC e 3,7oC. Mais: todo o CO2 que ainda se pode adicionar à atmosfera sem comprometer a meta de 1,5oC já terá então saído das chaminés das indústria e dos escapes dos automóveis. “O orçamento de carbono estará esgotado na próxima década”, alerta Joeri Rogelj, do Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas, da Áustria. “Precisamos de chegar ao pico das emissões globais até 2020”, acrescenta.<_o3a_p>

Os cientistas defendem a inclusão de metas calendarizadas para a redução das emissões e para a sua trajectória até zero. E por redução, os especialistas entendem cortes de facto na libertação do CO2, e não a sua absorção ou armazenamento.<_o3a_p>

“É um jogo muito perigoso estar a contar com emissões negativas”, disse Hans Schellnhuber, director do Instituto Potsdam de Investigação sobre Impactos Climáticos, na Alemanha. “Quando sairmos de Paris, todos os países devem começar a trabalhar em planos para a descarbonização total até 2050”, acrescenta.<_o3a_p>

Um dos receios dos cientistas é o de que a “neutralidade” abra a porta a formas eventualmente precárias ou falíveis de compensação de emissões, sem resolver o problema de fundo.<_o3a_p>

O problema de Vanuatu

Num pavilhão oposto àquele onde falavam os cientistas fica a delegação de um dos países que mais teme uma subida do termómetro acima de 1,5oC, o Vanuatu. Para lá chegar, passa-se pela avenida Champs Élysées, como foi baptizada a inóspita ala ao ar livre que divide os pavilhões do centro de exposições de Le Bourget, onde decorre a cimeira do clima.<_o3a_p>

Nesta sexta-feira, dezenas de activistas estenderam uma longa faixa ao longo daquele corredor, desde a entrada do centro até à grotesca réplica da Torre Eiffel, ao fundo, com cerca de três metros de altura. Foi um mini-protesto, uma versão prévia de uma manifestação que activistas prometem para este sábado, nas ruas de Paris, desafiando o estado de emergência declarado depois dos atentados de 13 de Novembro.<_o3a_p>

Ali em frente, dentro de outro pavilhão, Exsley Taloiburi explica o que significa a diferença entre 1,5 e 2,0oC para o Vanuatu. “Não é só o problema da subida do nível do mar. São também os eventos extremos, a segurança alimentar”, afirma.<_o3a_p>

Em Março passado, o ciclone Pam provocou enormes estragos no Vanuatu e noutros estados-ilha daquela região Pacífico. “Se agora temos tufões como este, imagine com dois graus a mais”, diz Taloiburi, que representa o secretariado do Fórum das Ilhas do Pacífico, uma organização não-governamental.<_o3a_p>

“A ciência diz-nos que um aumento de dois graus não é mais seguro. Os países ricos já o sabem. Temos de agir agora, e não apenas em 2020”, diz, numa referência à data em que vigorará o acordo de Paris.<_o3a_p>

A questão da ambição do acordo é uma das que ainda está pendente nas negociações. As outras são a diferenciação entre países ricos e pobres e o financiamento aos mais vulneráveis.<_o3a_p>

Uma reunião durante a madrugada desta sexta-feira foi inconclusiva e acabou por ser interrompida às 5h40. Durante todo o dia, foram realizadas reuniões bilaterais entre países, para tentar desbloquear as divergências e chegar a um novo texto do acordo, para ser aprovado este sábado – um dia depois do encerramento previsto da cimeira.<_o3a_p>

Ao fim da tarde de ontem, era dado como provável que o termo “neutralização” seria retirado do texto, e substituído por outra formulação, mas possivelmente sem metas quantificadas e calendarizadas de redução de emissões de CO2 – ao contrário do que defendem os cientistas.<_o3a_p>

 

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