O novo poder de Patricia, agricultora do Malawi

Se o leitor passar uma noite no interior do Malawi, como eu fiz em Junho, é bem provável que veja casais deixando os campos depois de um dia de trabalho. O marido, de mãos vazias; a mulher, com o bebé às costas, toros de madeira na cabeça e, na mão, uma enxada e um punhado de espigas de milho.

Essa cena traz-me à memória duas realidades importantes na vida dos agricultores da África subsaariana: primeiro, ganhar a vida com a propriedade da família é uma tarefa extremamente árdua. Enquanto os países mais ricos beneficiam do progresso constante da tecnologia para melhorar drasticamente a produção agrícola, milhões de pessoas nos países em desenvolvimento ainda dependem de ferramentas básicas e práticas tradicionais.

E o trabalho não só é árduo, como é ainda mais exigente para as mulheres. Em muitas comunidades, culturas e tradições, o peso maior — literalmente — recai sobre elas. Além disso, enfrentam barreiras sexistas que limitam sua produtividade, dificultando ainda mais a saída da pobreza.

Essa diferença não é pequena e pode variar de 23% na Tanzânia a 66% no Níger, segundo o Banco Mundial. Para liberar o enorme potencial de crescimento agrícola do continente, é preciso entender as razões para tamanha discrepância.

As normas sociais enraizadas, que marginalizam as mulheres e limitam sua participação económica, são um tremendo obstáculo. Embora variem de país para país, podem incluir problemas como acesso limitado a treino e informações agrícolas, leis discriminatórias que regem o direito de propriedade e poder limitado de decisão, muitas vezes dentro da própria casa.

Outro desafio é o facto de a agricultura ser um processo extremamente laborioso na região subsaariana, onde as mulheres enfrentam obstáculos machistas que as impedem de realizá-lo adequadamente. As africanas têm tempo restrito de trabalho porque, como em muitas outras partes do mundo, também têm que cozinhar, limpar e cuidar das crianças. Contratar mão-de-obra extra custa dinheiro, mas para as produtoras rurais dessas comunidades representam outro problema: o respeito pela autoridade feminina é limitado, ou seja, os ajudantes certamente não trabalharão com tanto empenho para as mulheres como para os homens.

Lidar com essas questões não é fácil e uma solução não pode ser estabelecida da noite para o dia — mas, quando estive no Malawi, conheci melhor a abordagem interessante do programa Pathways, implantado pela organização humanitária CARE. A iniciativa é aplicada a comunidades agrícolas para promover o o poder das mulheres e conquistar uma igualdade maior na agricultura. A Fundação Gates entra como parceira da instituição para testar seu modelo inovador em seis países.

Nas Escolas de Administração e Agricultura do Pathways, mulheres (e homens) aprendem tecnologias e práticas agrícolas mais avançadas — como a forma mais eficiente de plantar sementes, a forma mais segura de proteger a lavoura do desperdício e a época ideal para comercializar a safra. No Malawi, o Pathways dá ênfase especial ao amendoim e à soja, tradicionalmente consideradas “colheitas femininas”, ou seja, recebem menos atenção e investimento que as “masculinas”, como milho.

O Pathways também está ajuda a derrubar as barreiras sexistas, organizando, por exemplo, reuniões comunitárias nas quais homens e mulheres participam de uma série de exercícios divertidos que os ajuda a identificar as diferenças e como elas moldam as relações familiares.

Uma agricultora chamada Patricia contou-me que o Pathways mudou o seu casamento e a sua vida. Até há pouco tempo, as melhores variedades — e mais resistentes a doenças — de sementes de amendoim e soja eram difíceis de serem obtidas por mulheres por causa da dificuldade de sua produção em massa. Para resolver a questão, o programa seleccionou agricultoras como Patricia para cultivar as versões melhoradas, tornando-as assim disponíveis a outras mulheres dos vilarejos.

Quando perguntei a Patricia por que tinha sido escolhida, ela disse que um dos principais motivos foi o facto de ter um marido que concordava em deixá-la assumir o novo papel. E explicou que nem sempre as coisas tinham sido assim, mas que os diálogos promovidos pelo Pathways tinham estimulado a mudança. Antigamente o seu marido tomava todas as decisões sozinho; depois dos exercícios, porém, percebeu as vantagens de tratá-la de igual para igual e assumir uma rotina de cooperação. Hoje, Patricia e seu marido decidem tudo juntos e dedicam-se a aplicar as lições aprendidas para o cultivo de outras espécies.

Uma vez que a produção de sementes tem que obedecer a padrões rígidos, é muito exigente, mas Patricia garante que vale a pena. Na última temporada, ela plantou apenas meio hectare com as sementes melhoradas de amendoim, mas a colheita foi tão produtiva que, no próximo ciclo, vai poder plantar dois hectares, quadruplicando assim a produção em um único ciclo. E já planeia usar os frutos de sua dedicação para pagar a escola dos filhos e comprar as panelas de que tanto necessita, entre outras coisas.

Mulheres como ela são essenciais para o futuro da África, da mesma forma que iniciativas criativas como o programa Pathways, que ajudam a derrubar as barreiras que impedem o progresso feminino. Ao apoiarmos as agricultoras, podemos interromper o ciclo de pobreza que há tanto tempo aflige milhões de mulheres e suas famílias, para colocá-las no caminho do sucesso.

Melinda Gates é co-presidente da Fundação Bill & Melinda Gates

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