“Se julgam que tudo se resume à música, então não andaram a ouvir correctamente”. Assim iniciava o Guardian o ano passado uma entrevista aos Chain & The Gang, o penúltimo dos muitos projectos do Ian Svenonius. No caso do habitante de Washington, verdadeira lenda do underground da cidade e do rock’n’roll das margens, classificar como “projectos” as bandas que foi montando faz todo o sentido. Svenonius não é simplesmente um vocalista e letrista. Age como artista provocador que utiliza a música popular urbana como meio e método de acção.

No momento em que se prepara para apresentar em Portugal ESCAP-ISM, já sabemos há muito que não, não se resume tudo à música. “É como outra versão da actividade revolucionária: arte como um movimento político”, dizia na supracitada entrevista o homem que, antes dos Chain & The Gang, militou nos Nation Of Ulysses, nos indispensáveis Make Up ou nos Weird War. Esta sexta-feira na Galeria dos Zé dos Bois, em Lisboa (22h, 8€), sábado na Sonoscopia, no Porto, com primeira parte de Rita Braga (19h30, 6€), Ian Svenonius trabalhará na intersecção entre a postura de pregador rock’n’roll - assim ocupa o palco -, e a de teórico, tão revelador de erudição quanto adepto da blague, que nos ofereceu livros deliciosamente agitadores e delirantes como The Psychic Soviet ou Supernatural Strategies For Making a Rock’n’roll Band. Foi deste último, aliás, que nasceu o ESCAP-ISM que agora apresenta entre nós – entretanto, já foi editado nova obra, Censorship Now!!.

Nele, como habitualmente, cruza teoria política e história das vanguardas artísticas para reflectir sobre a natureza, evolução e realidade dessa entidade conhecida como banda rock. ESCAP-ISM, pensado para acompanhar o lançamento de Supernatural Strategies For Making a Rock’n’roll Band tornou-se algo independente dessa função original. No texto de apresentação divulgado pela Galeria Zé dos Bois, é apresentado como um trabalho sobre velhas memórias da “idade do ouro da rádio AM nos EUA”: “excertos de peças teatrais feitas para a rádio, gravação de programas noticiosos e actuações musicais, ruídos de estática, sons feitos pelo secreto sintonizar de estações radiofónicas”. Tudo filtrado e reconfigurado, para nosso prazer (e bem-vinda confusão), pelo inigualável Ian Svenonius.

“We’re building sonic architecture, baby”, declarava ele a meio do seu “gospel yeh yeh”em After Dark, álbum ao vivo dos The Make-Up editado em 1998. Em nova mutação, a obra continua.