Um Cavaco desconhecido

O actual Presidente da República é uma sombra do político que já foi.

Deve haver poucos momentos da política nacional tão insólitos como aqueles que actualmente vivemos. De repente, descobre-se que o político mais sufragado da democracia, tido como previsível, institucionalista e amante da estabilidade, está a agir nesta crise justamente ao contrário da imagem que dele sempre tivemos. Sete semanas após as eleições, o país continua em suspenso, sem ter a mínima ideia do que o Presidente da República tenciona fazer, numa reedição serôdia do tabu que ditou o anúncio da sua saída do Governo, em 1995. A tal ponto que, por vezes, parece ter largado propositadamente sinais contraditórios sobre as suas intenções, ajudando a alimentar um clima de cenários e permitindo que vozes de dentro da sua área política surjam a condicioná-lo, retirando-lhe margem de manobra e diminuindo a sua qualidade de Presidente de todos os portugueses e não só de alguns. Por outro lado, o prolongamento desta espécie de jogo que Belém está a jogar como se não houvesse amanhã, não pode deixar de ser interpretado como a sua despedida do poder. Neste momento, o Presidente é o único dono do jogo, só ele tem a prerrogativa de ditar a solução… pela última vez. Tudo o que se seguir é incomparavelmente menor e não ilude a inexorável contagem decrescente para o fim do mandato. Este acto derradeiro será, para o bem e para o mal, o marco definidor do seu exercício presidencial. Tudo razões a justificarem o regresso do actual inquilino de Belém àquilo que já foi, quando a sua previsibilidade era uma arma política cuja vantagem consistia em exasperar os adversários na exacta proporção da sua capacidade em pacificar o país. Não deixa de ser caricato que, enquanto o actual Presidente se entretinha a elogiar o tamanho da banana da Madeira, no Funchal, um aspirante a chefe de Estado tenha ido a Bruxelas garantir ao presidente da Comissão Europeia a sua confiança no cumprimento da meta do défice. Marcelo, claro, já percebeu tudo.

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