Greve de fome de Bobby Sands durou 66 dias e mudou a luta republicana

Detidos do IRA na prisão de Maze exigiam deixar de ser tratados como presos de delito comum. Dez morreram sem que Governo de Thatcher tenha cedido.

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Sands pertencia ao Exército Republicano Irlandês desde os 18 anos DR

A notícia espalhou-se depressa pelos bairros católicos de Belfast naquela noite fria de Maio de 1981, com assobios e panelas a substituir o dobrar de sinos num lamento que depressa deu lugar a motins. Bobby Sands, líder dos militantes do IRA na prisão de Maze, não resistiu a 66 dias de greve de fome. Outros nove detidos morreriam nos meses seguintes, sem que o Governo de Margaret Thatcher os reconhecesse como prisioneiros políticos, mas a vitória reclamada por Londres revelou-se contraproducente: o apoio popular à luta republicana cresceu e a violência na Irlanda do Norte disparou.

Sands pertencia ao Exército Republicano Irlandês (IRA) desde os 18 anos e cumpria a sua segunda pena – 14 anos de prisão pela posse de uma arma encontrada no carro onde ele seguia com outros três militantes após um ataque à bomba. Mas a prisão que reencontrou em 1977 era muito diferente da que deixara um ano antes. O Governo trabalhista tinha revogado o estatuto especial que permitia aos detidos do IRA não usar uniforme, não trabalhar e agrupar-se livremente. A partir de então, todos os implicados em acções do IRA seriam enviados para os “Blocos H” – como ficaram conhecidas as alas da prisão de Maze construídas para acolher os paramilitares.

As novas alas em pouco tempo se transformaram num inferno humano. Um após outros os detidos recusaram os uniformes da prisão, tapando-se apenas com cobertores, e para denunciar as humilhações e espancamentos a que eram sistematicamente submetidos iniciaram em 1978 o “protesto da sujidade”, recusando tomar banho e pintando com excrementos as paredes das suas celas.

Sands juntou-se desde início aos detidos “não-cooperantes”, mas os meses passavam sem que os protestos encontrassem grande eco. Em 1980, uma primeira greve de fome – velha arma da luta republicana irlandesa – terminou sem que o Governo britânico, então já encabeçado por Thatcher, tenha aceitado uma lista de cinco reivindicações que, na prática, repunham o estatuto especial perdido em 1976.

Sands, que herdara a chefia dos presos do IRA no Maze, decide reiniciar o protesto à revelia da organização no exterior. Mas ia fazê-lo de uma forma muito mais desgastante para Londres: ele seria o primeiro a iniciar o protesto, a que outros se iriam juntando, de forma a que quando um morresse outros tomassem o seu lugar. Sands não tinha dúvidas de qual seria o desfecho. “Vou morrer e não apenas para parar a barbárie nos Blocos H, ou para conseguir o legítimo reconhecimento de preso político”, escreveu no seu 1º dia de greve, a 1 de Março de 1981.

Do outro lado estava, no entanto, Thatcher, apostada em cimentar a criminalização da luta republicana. “Um crime é um crime. Não tem nada de político, é um crime”, respondeu a Dama de Ferro, repudiando o que chamou de “último trunfo do IRA”.

Mas o protesto ganhou uma dimensão inédita quando, ao quarto dia da greve de fome, um deputado eleito pela Irlanda do Norte morreu inesperadamente. Acreditando que Thatcher seria obrigada a negociar se Sands fosse eleito para Westminster, os partidos republicanos uniram-se para o apoiar e, a 9 de Abril, venceu o candidato unionista nas eleições intercalares. A eleição garantiu a atenção da imprensa internacional e Thatcher ficou sob pressão – o Papa João Paulo II enviou o seu secretário à prisão de Maze, o Presidente norte-americano, Ronald Reagan, confessou-se “profundamente preocupado”.

A Dama de Ferro não transigiu. No dia seguinte à morte de Sands, a 5 de Maio, declarou: “Ele era um criminoso condenado. Escolheu tirar a própria vida. É uma escolha que a sua organização não deu a muitas das suas vítimas”. Os detidos mantinham-se também irredutíveis e, semana após semana, outros juntavam-se à greve de fome. Dez morreram antes que as famílias, sem a perspectiva de uma solução, tivessem conseguido forçar o IRA a anunciar o fim do protesto. Dias depois, Londres aceitou as principais reivindicações dos detidos, mas sem lhes reconhecer o pretendido estatuto.

A firmeza de Thatcher foi elogiada pela imprensa, mas o tempo encarregou-se de revelar o preço pago: em poucos meses o IRA recrutou centenas de operacionais e redobrou os ataques (em 1984 a primeira-ministra sobreviveu a um atentado contra um hotel de Brighton, onde decorria a convenção do Partido Conservador); o número de mortos no conflito quase duplicou em relação ao ano anterior.

Mas a greve de fome marcou também uma viragem política. A mobilização popular em torno dos detidos transformou-se em apoio ao Sinn Féin que, depois da vitória eleitoral de Sands, percebeu que poderia conseguir nas urnas a força que a luta armada não lhe daria, acabando por se tornando na principal força política republicana no Parlamento da Irlanda do Norte (e a quarta da Irlanda). A eleição de Sands para o Parlamento “minou o edifício trémulo da política britânica para a Irlanda do Norte, construída com base na hipótese de que a culpa dos ‘Troubles’ era de um pequeno grupo de rufias que não tinham o apoio da comunidade”, escreveu o jornalista David Beresford no livro Dez Homens Mortos.

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