Lançado Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal
Compilação do que foi sendo escrito sobre o processo de avaliação aos centros de investigação portugueses, tanto em Portugal como no estrangeiro.
Cinco investigadores portugueses organizaram uma compilação exaustiva dos artigos de opinião, das cartas, dos comunicados de imprensa e das peças jornalísticas publicados em 2014 e 2015 sobre a avaliação dos centros de investigação portugueses levada a cabo pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que é tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência. Todos esses textos estão reunidos no que os cinco investigadores designaram por Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal, e que está disponível online a partir desta quarta-feira.
Esta iniciativa não pode deixar de ser lida à luz do combate que se aproxima nas eleições legislativas. Um dos organizadores é Manuel Heitor, investigador do Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa, e que foi secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior entre 2005 e 2011, nos dois governos socialistas de José Sócrates e quando José Mariano Gago (1948-2015) era o ministro da Ciência e do Ensino Superior. João Sentieiro, presidente da FCT entre 2006 e 2010, também no período de Mariano Gago à frente da pasta da Ciência, e agora investigador do IST, é outro dos organizadores. Tal como Alexandre Quintanilha, antigo director do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, recentemente jubilado, e que é agora o cabeça de lista do PS no Porto às eleições legislativas de 4 de Outubro. Aliás, o PS no seu programa eleitoral propôs fazer uma auditoria à avaliação da FCT aos centros de investigação e, a seguir, lançar um novo processo de avaliação.
Por fim, o painel de organizadores do livro é composto pela investigadora Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e por Carlos Fiolhais, físico da Universidade de Coimbra e uma das vozes críticas mais sonantes, nomeadamente no blogue De Rerum Natura, sobre o último processo de avaliação da FCT aos centros de investigação portugueses.
A compilação dos textos é antecedida por um prefácio dos cinco organizadores, no qual consideram que a avaliação do sistema científico em Portugal sofreu uma “adulteração” nos últimos quatro anos de governação do PSD e CDS-PP. “Desde meados de 2011, com a mudança do governo e da tutela da ciência e tecnologia, a formulação das políticas públicas foi, pela primeira vez na nossa democracia, drasticamente alterada, traduzindo-se no aumento da selectividade no acesso à ciência, sobretudo com base em processos de ‘avaliação’ avulsos e tendo a aplicação de métodos e práticas de que não só não merecem o reconhecimento e a aceitação da comunidade cientifica nacional e internacional, como foram executadas de forma discricionária (…)”, lê-se no prefácio do Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal, publicado apenas na Internet. “De facto, não há nenhum sistema científico sustentável que se baseia apenas num grupo restrito e exclusivo de cientistas. Esta é, aliás, uma ideia perigosamente próxima de tudo aquilo que impediu que Portugal assumisse mais cedo o desafio da ciência.”
Especificamente em relação à avaliação dos 322 centros de investigação portugueses, lançada pela FCT em 2013, e que se prolongou até ao início de 2015, para a atribuição de financiamentos anuais até 2020, considera-se no prefácio que este processo se caracterizou por “desresponsabilização” e “desrespeito” em relação à sua principal missão, com “falta de transparência, atropelo das boas práticas e introdução de alterações sucessivas das regras a meio do processo”. “Instalou-se um ambiente de insegurança, decorrente da forma arbitrária que passou a dominar os contornos e propósitos do processo de avaliação, comprometendo a credibilidade e o respeito pela FCT”, lê-se ainda.
“Os avaliadores, que em processos de avaliação anteriores, visitavam as instituições, visitaram apenas aquelas que, no papel, foram previamente apreciadas numa base administrativa e bibliométrica. Como resultado, uma fracção considerável das unidades [de investigação] ficou excluída do exercício da avaliação – cerca de 50% –, o que, como veio a constatar-se mais tarde, respeitava precisamente a indicação que constava nos termos de referência estabelecidos pela direcção da FCT para o exercício de avaliação. Orientações que, saliente-se, foram escondidas da comunidade científica durante meses.”
Os cortes das bolsas de doutoramentos e pós-doutoramentos, a descida do dinheiro total investido pelo país em investigação e desenvolvimento e a “emigração forçada de alguns dos recursos humanos mais qualificados” são outras das críticas deixadas no prefácio deste livro com 179 páginas e que inclui, além de artigos na imprensa portuguesa, artigos publicados no estrangeiro sobre a avaliação aos centros de investigação portugueses e os cortes de financiamento.