Até ao infinito

10 000 Russos é psicadelismo do bom. À séria.

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10 000 Russos: do lado certo da força

A ideia de psicadelismo enquanto matéria sonora que obtenha efeito similar ao provocado pelos alucinogénios, sintéticos ou naturais, que atraem a Humanidade há milénios, contaminou desde muito cedo o imaginário e a criatividade na música popular urbana. Em anos recentes, nesse aspecto, tem sido um fartote. Tudo é psicadélico. Tanto que, por vezes, já temos dificuldades distinguir o investimento sério nesse forte escapismo para uma boa perdição em som, e aquilo que é abuso de uma fórmula, por mais bem construída que seja, como é quase sempre neste nosso tempo de revivalismo esteticamente imaculado – nesses momentos, lembramo-nos do alerta que, há alguns anos, um jornalista da Mojo fazia ao já falecido Reg Presley, vocalista dos Troggs, que, em Purple shades, cantava sobre a “band of butterflies/twice their normal size”: Reg, advertia o crítico e citamos de cabeça, “borboletas com o dobro do tamanho continuam a ser bastante pequenas”.

Os 10 000 Russos, nascidos no Porto e onde encontramos João Pimenta (bateria e voz), Pedro Pestana (guitarra) e André Couto (baixo), não cometeriam o erro de análise na dimensão dos insectos esvoaçantes. O álbum de estreia da banda, sucessor da apresentação em cassete e versão digital de 2013, mostra que os 10 000 estão do lado certo da força.

As cinco canções que o compõem, inevitavelmente e desejavelmente longas, são como que um contínuo sonoro que se nos apresenta assim, com limites temporais, porque, muito simplesmente, seria impossível tê-las infinitas no espaço restrito de um álbum. A voz ouve-se escondida sobre efeitos cavernosos e percebemos que isto não é o Dalai Lama a gritar no topo do Evereste, como imaginou John Lennon para Tomorrown never knows, mas sim Mark E. Smith a vociferar na órbita de Plutão. O ritmo é minimal, não se desviando por um segundo de uma batida primitiva (“apache beat”, como dizia Klaus Dinger, dos Neu!) ou de um pulsar maquinal, como explicado em caixa de ritmos pelos Suicide. Estas são as coordenadas, mas o efeito geral é de outra dimensão

Baden Baden Baden
Barreiro

Em Us vs Us, qual kosmische que não voltou costas ao rock, percebemos que não interessa para onde vai a canção, interessa que continue, infatigável. Barreiro, por sua vez, é tempestade de poeira cósmica na qual uma guitarra surf-rock em câmara lenta vai desenhando curtas espirais. Baden Baden Baden é voodoo cósmico em crescendo de intensidade, camada de fuzz sobre camada de fuzz, incrivelmente atmosférica. Stakhanovets/Kalumet, a última, embala-nos no minimalismo do ritmo e da melodia enquanto, no mesmo movimento, despeja sobre nós e a toda a volta, descargas de estilhaços eléctricos. Chegaremos, por fim, ao início de tudo.

Os timbalões tomam conta do andamento, a banda inflecte rumo para continuar viagem. Seguimo-los até onde podemos. 13 minutos. Tudo se silencia. Foi uma viagem do caraças. Psicadelismo do bom. À séria.

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