Merci, Jacques!

Invocar o legado de Delors significa recordar aos dirigentes europeus de hoje os valores e os objetivos que estão na génese do projeto pelo qual eles são transitoriamente os máximos responsáveis.

Esta segunda-feira Jacques Delors comemora o seu 90º aniversário. Escassas três semanas após o Conselho Europeu lhe ter outorgado o título de “Cidadão de Honra da Europa”.

A distinção passou despercebida, envolta no ruído que rodeou a crise grega. E, contudo, o título de “Cidadão de Honra da Europa”, até hoje, foi conferido apenas a dois outros vultos da construção europeia: Jean Monnet e Helmut Kohl.

Para nós, amigos e admiradores de Jacques Delors, a escassa visibilidade da distinção entristece-nos. Mas, em certa medida, o episódio é muito revelador da União Europeia de hoje!

Conforme pude escrever no Prefácio à edição portuguesa do seu volume de Memórias (de 2004), Jacques Delors foi um “visionário pragmático”. À frente da Comissão Europeia, durante dois mandatos, ele formulou o tríptico que presidiu aos destinos das Comunidades e, depois de 1992, da União Europeia: “a concorrência que estimula, a cooperação que reforça, a solidariedade que une”!

Esta visão abrangente esteve na base do Ato Único Europeu e do grande mercado interno, do Tratado de Maastricht que lançou a União Económica e Monetária, do projeto da coesão económica e social assente nos fundos estruturais e na criação do fundo de coesão, da cidadania europeia, do programa Erasmus, da carta social europeia, dos sucessivos alargamentos aos países ibéricos, à Áustria, Suécia e Finlândia até à abertura à Europa Central e do Leste após a queda do Muro de Berlim.

Hoje, quando a União Europeia vive um dos momentos mais críticos da sua história, recordar a ação de Delors não representa apenas uma homenagem ao homem e ao dirigente político a que a União tanto deve e que, nós portugueses, reconhecemos como um verdadeiro símbolo de uma Europa de paz, liberdade, segurança e prosperidade.

Invocar o legado de Jacques Delors não representa um qualquer saudosismo ou uma breve melancolia de um paradigma europeu que pressentimos não ir regressar. Sabemos todos como o Mundo mudou nestas últimas décadas e que o projeto europeu tem que se adaptar às novas condições da globalização tecnológica e comunicacional, ao peso crescente da globalização financeira, ao desafio que representam os “modelos alternativos” das economias emergentes.

Invocar o legado de Delors significa, acima de tudo, recordar aos dirigentes europeus de hoje os valores e os objetivos que estão na génese do projeto pelo qual eles são transitoriamente os máximos responsáveis. Significa recordar que o interesse geral europeu não pode prescindir da inclusão de interesses nacionais por vezes contraditórios entre si, na busca permanente do acordo onde todos sintam que têm algo a ganhar em virtude da partilha de soberania. Significa, em suma, que na Europa de Monnet, de Kohl e de Delors não pode haver ganhadores permanentes e perdedores permanentes!

Perante a crise grega, e sobretudo perante as marcas profundas de divisão e de antagonismo criadas pelo que se pretende apresentar como uma “solução”, que não se afigura sustentável nem mesmo a curto prazo, vale a pena meditar no exemplo e na ação de Jacques Delors. E já agora, reler o seu Relatório de 1989 sobre a moeda única para perceber o caminho alternativo que importa percorrer se pretendermos evitar o declínio europeu!

Obrigado, Jacques!

Presidente da Fundação Notre Europe — Institut Jacques Delors

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