A guerra dos botões

Ethan Hawke reencontra-se com Andrew Niccol: reflexão mais moral do que política sobre os drones e a suposta “morte limpa”

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Longe de ser brilhante, Morte Limpa talvez seja o filme mais conseguido do outrora “promissor” Andrew Niccol, que nunca mais replicou o sucesso de Gattaca, há quase 20 anos.

Por acaso, em Morte Limpa Niccol reencontra o seu actor desse filme, Ethan Hawke. E também reencontra um ambiente que há uns anos seria “ficção científica” mas que hoje é realidade quotidiana: os drones, a “morte limpa”, a morte à distância, a guerra que não suja as mãos, suja apenas a alma. E a sujidade da alma é o drama essencial da personagem de Hawke, um operador de drones que, da sua consola (como um videojogo, paralelismo que o filme não perde uma ocasião de reiterar), orquestra e conduz a morte mais ou menos cirúrgica de indivíduos mais ou menos culpados, a muitos milhares de quilómetros de distância.

Sem ser verdadeiramente “crítico”, em termos políticos concretos, do moderno american way of war, ou sem ser essa a sua principal motivação, Niccol concentra-se na questão psicológica, nos aspectos morais (a covardia do assassínio à distância), e na abstracção amoral: se a guerra “tecnológica” se tornou um espectáculo, ou uma fornecedora de imagens para o espectáculo televisivo e multimediático, Morte Limpa tira um bom partido dramático — com o seu quê de “teórico” — da maneira como as emula, sempre a “arrefecê-las”, a criar intervalos entre acção e consequência, a tentar deixar o espectador suspenso no “outro lado” do virtual. Há um certo esquematismo na maneira como o filme e as suas personagens verbalizam a questão, mas a sua ilustração tem exemplos práticos convincentes e inteligentes, e por aí passa o melhor de Morte Limpa

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