Blatter e a beleza dos mandatos fixos

É difícil imaginar um cartoon mais incómodo: Sepp Blatter está dentro de uma retrete de ouro a falar sobre o papel da FIFA no mundo perante uma plateia passiva. Há molhos de notas de dólar por todo o lado – a boiar, a sair do autoclismo, enroladas no suporte de ouro do papel higiénico. O buraco que faz ligação com o esgoto é o meio-campo de um relvado de futebol.

O cartoon de David Simonds, publicado ontem no Guardian, tem como título “A FIFA de Sepp Blatter e o mau cheiro da corrupção”.

Blatter diz que foram os media ingleses e “um movimento americano” que tentaram tirar-lhe o poder. Uma vez reeleito, com os votos contra de quase toda a Europa e de muitos países da América Latina – os grandes continentes do futebol –, passou o fim-de-semana a explicar a sua teoria da conspiração. Em resumo: “Os americanos foram candidatos ao Mundial de 2022 e perderam. Os ingleses foram candidatos ao Mundial de 2018 e perderam.” Esta é a tese – que é igual à do Presidente Vladimir Putin, da Rússia, país anfitrião do próximo Mundial. “Ninguém me vai convencer de que foi uma simples coincidência”, disse Blatter. “Não cheira bem.”

O mesmo poderia ser dito sobre a FIFA. Há anos que se multiplicam as suspeitas de corrupção e acusações de falta de transparência e de ausência de prestação de contas. Ainda esta semana um repórter do Guardian (os incómodos media britânicos de que Blatter se queixa) foi à Zâmbia verificar como tinham sido aplicados os 800 mil euros atribuídos pelo programa Goal, criado por Blatter para melhorar os equipamentos de futebol no Terceiro Mundo. Em vez de um centro técnico nacional com “instalações confortáveis para as equipas nacionais”, campos de jogo e uma piscina, o jornalista encontrou 24 quartos “tão rudimentares” que os jogadores profissionais nunca os usaram, preferindo os hotéis da capital. Semiabandonado, o “centro” é usado por equipas femininas de sub-17. Citado na reportagem, um antigo presidente de uma federação africana disse isto em on: “As pessoas tendem a aceitar favores de qualquer pessoa que esteja a fazer uma coisa boa para elas. Como aceitam casas oferecidas por Pablo Escobar que sabem que são feitas com dinheiro da droga. Infelizmente o programa Goal de Blatter tem sido isso.”

A Justiça dirá. Este domingo, o procurador suíço disse que quer afinal ouvir Blatter. Para já como testemunha. O que o bom senso nos diz é mais simples. Sepp Blatter, inocente ou culpado, já deveria ter saído da FIFA pelo seu pé. Blatter diz que é “como um bode da montanha” que “não se consegue parar” e que “simplesmente continua em frente”. O que Blatter não diz é que está agarrado ao poder e que por isso já perdeu o respeito e a autoridade. A FIFA, se quiser reformar-se, pode começar por impor uma política de limite de mandatos. Cinco mandatos e 17 anos no poder não é bom para ninguém. Nem para a organização, nem para o seu líder. Muito menos aos 79 anos. E, acima de tudo, não é bom para o futebol – que, como este domingo vimos, fez vibrar de alegria milhares e milhares de pessoas em Portugal.

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