O emigrante já não tem saudades nem quer chouriço ou cerveja

Não, o emigrante quer é sopas e descanso, quinze pores-do-sol e um bronze de fazer inveja, até porque um ano inteiro lá fora vem apenas dar lugar a outro ano inteiro lá fora

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Nacho Doce/Reuters

O Verão está à porta e o mar, o mar, vai e vem de acordo com os teus olhos, ora fechados, ora abertos, incrédulos, "in denial", recusando-se a acreditar na sorte de quem pode engolir a praia, "encore une fois", ao fim de mais um ano. E o plano, o plano será o mesmo de sempre, porque depois de doze meses lá fora o teu corpo estará por demais fatigado, fustigado e mastigado para te pores a correr todas as capelinhas onde, hoje e sempre, vais encontrar os amigos e familiares carecas de saber de ti através do Facebook, mais o Skype, o Instragram, o Twitter e o raio que os parta.

Não. Já chega. Já chega quando, depois de dez anos lá fora ainda reside a expectativa de ter de ser o emigrante, coitadinho, a prescindir das suas férias em função das férias dos outros para, em quinze dias, fazer a Volta a Portugal em trotineta, sem esquecer o santuário mais a moedinha, por favor. Não, porque o emigrante já não é emigrante: é "bife" ou "ça va", de acordo com o escaldão de pele ao fim do primeiro dia de praia, o passaporte já não é Português e há muito que as noites lhe povoam os sonhos de algaraviadas em estrangeiro: isso e fazer contas de cabeça em inglês, às vezes em francês, mas sempre em alemão (ou talvez não).

Não, o emigrante já não o é, já não tem saudades nem quer chouriço ou cerveja, nem muito menos tremoços ou sardinhas, até porque lá fora já somos tantos que não se consegue dar dois passos sem tropeçar num português ou comer dois pastéis de nata. E a cerveja pode não ser tão fresca, mas é Sagres à mesma, e a cavalo dado não se queixa a gente (e a barriga agradece, e a cabeça cheia).

Não, o emigrante quer é sopas e descanso, quinze pores-do-sol e um bronze de fazer inveja, até porque um ano inteiro lá fora vem apenas dar lugar a outro ano inteiro lá fora e até ao regresso, e o emigrante já não quer saber, quer mas é dormir sobre a areia quente, um calor de suar, areia a perder de vista e este abraço do tamanho do mar.

O étecétera das redes sociais

De resto, os amigos e familiares estão carecas de saber onde o encontrar, ano após ano, nas praias de Portugal, caso contrário de que nos serve o Facebook, o Skype e o étecétera das redes sociais? E, se porventura, não se encontrarem, todos juntos, nas praias de Portugal, então amigos como dantes, ainda para mais se para o ano cá estaremos outra vez.

Nos entretantos, a vida deu muitas voltas e o corpo, cansado de tantas voltas dar (sobre si mesmo mais as vezes à procura da cauda) já não é o mesmo dos vintes e a noite já não é para bombar (talvez roncar). Não. Este corpo precisa de descanso, e desta vez é a sério, porque agora encontrámos o nosso lugar ao sol, sim, e agora somos todos homens e mulheres, com o destino no olhar, uma missão nas mãos e duas semanas para descansar (inteirinhas).

Afinal, se só cá estamos uma vez, é bom que façamos o melhor proveito da mesma. Portanto, entendamo-nos: estas férias são minhas, e se porventura ao lado da minha toalha te quiseres deitar, terás o teu amigo com quem falar. A toalha onde estou tem o pionés do Google Maps a marcar o local, basta seguir o "link" com a fotografia ao lado. A hora, é a do costume, e as conversas tão amigas como sempre, como se ainda ontem tivéssemos estado juntos e eu nunca, nunca tivesse partido, um dia, para um país muito distante.

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