Sobre o valor de mercado do emigrante

Senhor presidente, preocupe-se antes em oferecer salários e condições condignas a todos os seus conterrâneos e contemporâneos: verá como, rapidamente, nos terá, verdadeiramente, de volta

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Toby Melville/Reuters

Bom, comecemos: as boas notícias prendem-se com o facto de sua excelência, o presidente da República, considerar premente a criação de incentivos que permitam aos jovens, hoje emigrados, regressar ao seu país de origem. Resultado prático, a cotação de mercado do jovem emigrante acabou de subir mais uns pontos, uma vez que já não somos motivo de interesse por parte de um mero secretário de Estado, mas sim de um presidente, o nosso, da República que nos deu origem e nome. No entanto, se parte de mim sente a lisonja de tal interesse, a outra parte, confesso, está um pouco perdida.

Afinal, este presidente, tal como outros presidentes, primeiros-ministros e ministros, outra coisa não faz de há quarenta anos para cá senão fomentar a deseducação de todo um povo, retirando apoios ao ensino, cobrando propinas nas universidades mais o tratado de Bolonha, fazendo dos professores os bodes “respiratórios“ (já dizia o Jesus) do funcionalismo público, a pontos tais de, literalmente, não deixar os ditos respirar de todo, assim sufocando a educação e o futuro de gerações inteiras. Dito isto, e uma vez exterminada a mobilidade social, condenam-se centenas de milhares de futuros “colaboradores“ a assinar de cruz em cruz para o resto das suas vidas, fazendo destes presas fáceis de um sistema de baixos salários, precariedade, medo e pouca, muito pouca, reivindicação.

Podemos orgulhar-nos de ter abolido a escravatura; não creio, no entanto, podermos orgulhar-nos de voltar a instituir a mesma. Ergo, o êxodo diário assistido diariamente ao longo das fronteiras. Mas, dizia eu, tendo em conta o plano acima descrito, e prontamente implementado, porque razão quererá sua excelência, o presidente da República, atrair para as teias lusas as moscas que lograram fugir? Que sadismo é este quando todos quantos cá fora residem estão carecas de saber o tamanho do cassetete à nossa espera no aeroporto da Portela (e outros)? Quais as verdadeiras razões por detrás de tais pretensões? Sim, porque se coisa houve aprendida com a idade, o vento e os cabelos brancos, foi a simples noção de nunca se dar um ponto, sem antes dar um nó. Onde está o nó? Terá sua excelência amolecido com a idade?

O Futre parece ter a solução! Afinal, este foi o primeiro-ministro dos secos e molhados e da carga policial na ponte Vinte e Cinco de Abril. Não, excelência, vivos não nos terão, e muito menos nas suas mãos. Não, agora é tarde: porque já não somos os seus “cidadões“, mas sim cidadãos, agora de outras terras, culturas e línguas. Já nos safámos. E se, de facto, agradecemos o valor do nosso mérito, por outro lado outra coisa não pedimos a vossa alteza que não seja igual reconhecimento para com todos os seus concidadãos ainda radicados em Portugal, os quais, debaixo dos seus pés, valem tanto ou mais como se estivem lá fora.

Com a única diferença de não terem emprego ou, quando o têm, ganharem cinco vezes menos. Assim, ao invés de se preocupar connosco, os "sebastiânicos" que hão-de, um dia, salvar Portugal, preocupe-se antes em oferecer salários e condições condignas a todos os seus conterrâneos e contemporâneos: verá como, rapidamente, nos terá, verdadeiramente, de volta

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