O que ameaça a profissão de jornalista? A crise económica

Felisbela Lopes, da Universidade do Minho, lança livro em que traça um cenário cinzento sobre a liberdade de imprensa em Portugal com base em depoimentos de 100 jornalistas sobre os constrangimentos que enfrentam na profissão.

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Daniel Rocha

A resposta, em estilo americano, bem poderia ser “É a economia, estúpido!”. Porque é sobretudo a crise económica que ameaça hoje a liberdade de imprensa em Portugal. Dela deriva a maior parte dos constrangimentos que uma centena de jornalistas diz sentir no exercício da sua profissão.

Os jornalistas, oriundos da imprensa, rádio e televisão, foram questionados por Felisbela Lopes, investigadora da Universidade do Minho, com uma única pergunta – “Quais os maiores constrangimentos à liberdade de imprensa que os jornalistas portugueses enfrentam hoje?” E as respostas desenham um cenário preocupante no livro Jornalista: Profissão Ameaçada que é lançado esta quarta-feira em Lisboa.

“A grande maioria sublinhou as consequências dos constrangimentos económicos nas opções editoriais. Há mesmo quem os aponte como o novo lápis azul”, resume ao PÚBLICO a autora. Estão materializados na diminuição de meios, na redução das equipas, na limitação dos trabalhos, no medo do desemprego. “Hoje é difícil ir até ao fim da rua ou até ao fim do mundo [como dizia o histórico slogan da TSF] à procura de uma boa história. Não há dinheiro.”

O medo que os jornalistas sentem concretiza-se na auto-censura – aquela em que, por opção ou por ordem superior, se “perde” o interesse numa história que pode ferir susceptibilidades no poder (económico ou político) ou que pode trazer consequências na Justiça para a empresa de media. Ou no funcionamento quase em “rede”: é preciso trabalhar mais rápido e com menos custos, levando todos os media a abordarem um assunto sob o mesmo ângulo e a contactar as mesmas fontes – que são cada vez menos -, fazendo com que os jornalistas se refugiem no que a autora chama de “versões das elites do poder”.

Até porque às questões financeiras há que somar a pressão das fontes organizadas: “Já não são os políticos que pressionam directamente os jornalistas. As fontes sofisticaram-se”, diz Felisbela Lopes. “Hoje os assessores e as agências de comunicação exercem essa influência no lugar dos vários poderes dominantes, desenvolvendo uma pressão de agendamento e de cobertura mediática com técnicas apuradíssimas, sendo por vezes muito difícil perceber onde pára uma profícua mediação e começa uma intolerável manipulação.” Felisbela Lopes não tem dúvidas: “Aí está o jornalismo como caixa de ressonância do poder dominante.”

A autora aborda ainda três áreas com desafios específicos: na justiça, “é impossível os jornalistas não violarem o segredo de justiça porque, tal como está na lei, a classe não consegue trabalhar”; na política, por exemplo, “não faz sentido a legislação sobre a cobertura das campanhas eleitorais nem o dia de reflexão”; no futebol, “os assessores e os clubes condicionam em permanência o trabalho jornalístico” na forma como se relacionam com a classe e como trancam a informação.

A investigadora percebeu que “a classe sente necessidade de falar disto, porque isto, os constrangimentos, é uma espécie de manada de elefantes numa loja de porcelanas”. Mas também é certo que há muitas dúvidas e receios decorrentes da passada tecnológica, que obriga o jornalista a actualizar-se constantemente e a ser acossado pelo jornalista-cidadão.

“Os jornalistas vivem hoje sob permanente pressão. Pressão para ser rentável. Pressão para fazer a cobertura de determinado acontecimento. Pressão para ouvir este ou aquele interlocutor. Pressão para não afrontar os accionistas ou financiadores da sua empresa. Pressão para cumprir leis que não deixam margem para noticiar factos com relevância noticiosa. Pressão para trabalhar depressa. Pressão para ser o primeiro a anunciar a última coisa que acontece. Pressão para multiplicar conteúdos em diversas plataformas. Pressão para atender àquilo que os cidadãos dizem nas redes sociais. Pressão para desenvolver conteúdos de qualidade que suscitem o interesse do público. Pressão para não provocar reacções dos reguladores dos media. Não é fácil trabalhar assim. Por isso, actualmente, ser jornalista é aceitar exercer uma profissão que está sob ameaças de vária ordem. E isso deveria suscitar um amplo debate público”, resume Felisbela Lopes no livro.

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