Presidente do Conselho de Disciplina dos Arquitectos acusado de corrupção

Arquitecto envolvido em alegado esquema de troca de favores montado pelo antigo director-geral de Infra-estruturas do MAI, que envolve vários maçons. Estado com prejuízo de pelo menos 909 mil euros relativos a 66 contratos combinados para beneficiar amigos.

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Vários casos envolveram a reconversão dos governos civis Paulo Pimenta

O actual presidente do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Arquitectos (AO), Manuel Saldanha, foi acusado há dias de um crime de corrupção activa, no âmbito do processo que tem como principal arguido outro arquitecto, João Alberto Correia, antigo director-geral de Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna (MAI).

O Ministério Público acusa este ex-dirigente da Administração Pública, que esteve em funções entre Março de 2011 e Fevereiro de 2014, de ter montado um esquema de troca de favores, entregando obras públicas do MAI a amigos e colegas maçons. As empreitadas seriam subdivididas de forma a possibilitarem o recurso a ajustes directos, em negócios que seriam previamente combinados e em que o preço das obras seria inflacionado.

“O valor dos trabalhos, materiais e equipamentos era inflacionado face ao seu valor de mercado com vista a permitir excedentes pecuniários que eram repartidos entre o arguido João Alberto Correia e os arguidos responsáveis pela empresa adjudicante”, lê-se na acusação.

A maior parte dos contratos investigados dizem respeito à requalificação dos edifícios dos extintos governos civis, cujas instalações foram entretanto reconvertidas para instalar serviços da PSP, da GNR, do SEF e da Autoridade Nacional de Protecção Civil.

Ao todo, a procuradora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal identificou 66 contratos que lesaram o Estado em pelo menos 909 mil euros. Este valor é um montante mínimo, já que em vários negócios, os investigadores não conseguiram apurar o montante exacto do prejuízo ao erário público.

Apesar de o montante dos negócios nunca ultrapassar os 150 mil euros (limite para os ajustes directos deste tipo), o Ministério Público identificou contratos em que o preço foi inflacionado em mais de 50 mil euros. Na maior parte dos casos o excedente variava entre 15 mil e 37 mil euros.  

Muitas das empreitadas foram subdivididas em várias obras de forma a permitir a João Alberto Correia recorrer aos ajustes directos. A reconversão do Governo Civil de Santarém, por exemplo, foi separada em oito contratos, que totalizaram mais de 780 mil euros. Segundo a acusação, para “camuflar o fraccionamento da despesa”, João Alberto Correia “atribuía uma designação diferente” aos ajustes directo abertos para o mesmo edifício. A reinstalação de uma das esquadras do Comando Metropolitano de Lisboa, por exemplo, foi subdividida em três procedimentos a que foram atribuídas nomes diferentes: “Baixa Pombalina”, “2.ª Esquadra do COMETLIS” e “Rua de S. Julião/Rua da Prata”.

A procuradora Inês Bonina, que assina o despacho de acusação, diz que para conseguir entregar os projectos aos amigos o antigo director-geral do MAI subvertia os procedimentos com prejuízos para as entidades públicas. “Devido ao facto de não terem sido realizados projectos de execução e de não terem sido correctamente avaliadas as necessidades das forças de segurança que iriam ocupar os antigos governos civis, por não apresentarem condições, as mesmas recusaram-se a ocupá-los. Tal sucedeu nos governos civis de Santarém, Viseu e Beja”, concretiza.

O presidente do Conselho de Disciplina da Ordem dos Arquitectos, Manuel Saldanha, é um dos 12 arguidos no processo, a quem o Ministério Público exige uma indemnização de valor não inferior aos tais 909 mil euros. Este arquitecto é visado em dois negócios na Moita, um levantamento num quartel de bombeiros e um projecto de execução para o posto local da GNR.

Contactado pelo PÚBLICO, Manuel Saldanha mostrou-se chocado com a acusação e garante que tudo não passa de um “enorme mal-entendido”. O actual presidente do Conselho Nacional de Disciplina da OA, o órgão superior de disciplina dos arquitectos, não vê razão para se demitir ou suspender as suas funções, alegando que tal equivaleria a uma confissão. “Não considero ter nenhuma falta de legitimidade. Há 12 anos que exercer funções na ordem e tenho um percurso irrepreensível”, diz o arquitecto. O PÚBLICO tentou obter um comentário do presidente da AO, através de um dos elementos da sua direcção, mas não recebeu qualquer resposta até ao fecho desta edição.  

João Alberto Correia está acusado de 80 crimes: 32 de corrupção passiva, 31 de participação económica em negócio, 12 de falsificação de documentos, quatro de abuso de poder e um de branqueamento de capitais. No processo são arguidos dois funcionários da antiga Direcção-Geral de Infra-estruturas e Equipamentos do MAI, extinta em Julho de 2014. Um era chefe da Divisão de Obras daquela direcção-geral e está acusado de 22 crimes de participação económica em negócio e 11 de falsificação de documento. À outra, responsável pelo Gabinete Jurídico e de Contratação e Património, são imputados quatro crimes.

Do rol de acusados fazem ainda parte diversos empresários que terão sido beneficiados pelo então director-geral João Alberto Correia, com quem terão dividido os lucros. Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do antigo director-geral das Infra-Estruturas, Pedro Matos Ferreira, optou por não fazer comentários ao caso.

 

 

 

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