Carta aberta ao jovem português

Jovem, por amor de Deus, deixa de jogar consola, computador, telemóvel ou lá o que é essa porcaria

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kitato

Jovem, em vez de perguntares o que é preciso fazer, olha à tua volta, toma a iniciativa, não perguntes, não temas, surpreende, cresce, como um verbo. E lê, lê muito, especialmente quando tal hábito é motivo de gozo e riso por parte de quantos se dizem teus amigos. Porque no riso, a ignorância, e se de facto gostarem mesmo de ti não farão disso motivo de troça: não, aceitar-te-ão tal como és, e hão-de querer também ler, e hão querer aprender.

E não te preocupes tanto com o teu cabelo, é vestigial, vai desaparecer com o tempo e com a idade, nasceste sem ele e assim partirás, e para além de decorar essa tua cabeça, em nada contribui para o que se passa dentro dela. Por isso, em vez de passares horas ao espelho, sai para a rua e fala com os outros, faz perguntas, procura saber, vem conhecer outras visões, outras religiões, outras crenças e modos de vida, nem melhores nem piores, nem culpadas, nem inocentes, diferentes.

E, jovem, por amor de Deus, deixa de jogar consola, computador, telemóvel ou lá o que é essa porcaria. Já reparaste que os bonecos com que brincas parecem desenhos-animados, e que quem brinca com bonecos são as crianças?

E não te rales se nos dias de hoje já não tens mais a tropa, porque a tropa toma muitas formas e a todos chega, mais cedo ou mais tarde, quando de repente é preciso ser pai, quando num repente é preciso emigrar, e todos nós um dia temos de ser Homens. Mesmo se a tua mãe não queira. E não te preocupes tanto com o Benfica, porque o Benfica não se preocupa contigo. Preocupa-te antes com a tua mulher, mesmo se ainda não casaste, e com os teus filhos, e não descanses enquanto não fores aquilo que sempre quiseste ser: porque mais vale uma vida a tentar ao invés de cem anos no sofá e chorar.

Nada nos é dado, nada está por garantido, há momentos, sim, há momentos, e nessas alturas todos somos reis e rainhas, com a barriga cheia e um largo sorriso nos lábios, mas nos entretantos é preciso tirar a carta de condução, ter um emprego, trazer dinheiro para casa, ter uma casa, ir às compras, enviar currículos, fazer currículos, ler mais um pouco, e não ter vergonha de trabalhar: ninguém disse que tens de fazer vendas porta-a-porta para o resto da vida, e se hoje vendes porta-a-porta, pode ser que amanhã sejas o dono da companhia. E não te concentres tanto no teu sofrimento e na tua frustração, mesmo sabendo eu o quanto custa não pensar em como a nossa vida é uma bela m..., mesmo sabendo eu o quanto tens razão, mas essa raiva, essas lágrimas, turvam o amanhã, e na tua cegueira, a tua raiva, e na tua dor a certeza de quem já perdeu uma corrida ainda por começar.

E, jovem, os partidos não são todos iguais, se não estás contente cria o teu. Esta sociedade já cá estava muito antes de te ver, não penses que a podes vencer, porque faz parte de ti, e não a podes ferir de morte sem te ferires a ti mesmo. Mas podes procurar fazer parte desta mole que é a nossa e assim mudar comportamentos e pensamentos nos teus conformes, e ela a ti, como num longo e eterno casamento. E, jovem, desliga a televisão, carrega no botão e exerce a democracia, porque tu és livre de decidir aquilo que queres comer. E não deixes que outros decidam por ti: basta votar.

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