Os 90 anos de Maria Barroso

Familiares, companheiros de luta, antigos alunos e muitos outros amigos celebram este aniversário para lhe testemunhar gratidão e apreço, pelo muito que devem, ao seu estimulo afetuoso sempre presente nas horas boas e más.

Os olhos continuam despertos para o mundo que a rodeia e exige a partilha de compromissos de solidariedade para transpor a incerteza, a violência, a desigualdade e estabelecer uma cultura de justiça, de tolerância e dialogo.

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Os olhos continuam despertos para o mundo que a rodeia e exige a partilha de compromissos de solidariedade para transpor a incerteza, a violência, a desigualdade e estabelecer uma cultura de justiça, de tolerância e dialogo.

Chama-se Maria de Jesus Barroso Soares e hoje completa 90 anos de uma vida intensamente vivida. Familiares, companheiros de luta, antigos alunos e muitos outros amigos celebram este aniversario para lhe testemunhar gratidão e apreço, pelo muito que devem, ao seu estimulo afetuoso que nunca falta nas horas boas e más.

Tem uma presença atuante, na vida cultural, na intervenção cívica, na militância politica, na orientação pedagógica de varias gerações, desde a segunda metade do seculo XX e que se projeta nos dias atuais. Sempre com a mesma determinação e coragem. Maria Barroso fez o curso no Conservatório sendo aluna de grandes mestres como, por exemplo, Maria Matos e Alves da Cunha. Ingressou no elenco do Teatro Nacional, na companhia de Amelia Rey Colaço/ Robles Monteiro e logo se distinguiu, como uma das melhores e maiores atrizes da sua geração. Ficou memorável a interpretação na peça de José Régio Benilde e  muitas outras representações suas. O talento de Maria Barroso evidenciou-se, também, no cinema, em vários filmes de Paulo Rocha (Mudar de Vida) e de Manoel de Oliveira (Le Soulier de Satin, de Sartre, Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e, na Benilde ou a Virgem Mãe, de Régio que já havia sido um dos seus grandes êxitos teatrais.

Ao mesmo tempo que estudou no Conservatório, tirou o curso de História e Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa. Um dos seus mestres inesquecíveis foi Vieira de Almeida que fez da cátedra, uma tribuna de combate à rotina, à mediocridade e ao pensamento único. Incutia, em cada aluno, a responsabilidade ética, a ousadia, a inovação e o imperativo da mudança, para transformar o Pais mergulhado em estruturas arcaicas.

Enquanto aluno do Colégio Moderno de João Soares, de Mário Soares, de Maria Barroso, devo a Maria Barroso a iniciação no universo de Fernando Pessoa heterónimo e ortónimo, que eu procurava decifrar, numa pequena – grande antologia selecionada por Casais Monteiro, que Vitorino Nemésio oferecera a meu Pai. Também devo a Mário Soares (recém casado com Maria Barroso, moravam na altura, num primeiro andar ao pé da igreja do Campo Grande) o acesso a obras e autores da sua Biblioteca que começava a crescer; e, ainda, a curiosidade e o interesse por revistas e jornais franceses que passaram a ser (até hoje) um vício irrefreável. Isto começou em 1953 e marca uma amizade que permanece na íntegra.

Entre tantas recordações que procuro sintetizar não esqueço os recitais de Maria Barroso, com os poetas do Novo Cancioneiro - que enfureciam a polícia politica que cercava as salas – ao dizer com a voz firme e a sobriedade tensa, o poema de Sidónio Muralha: “já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas que possam impedir a nossa caminhada, em que os poetas são os próprios versos dos poemas”. Ou, então, o irreprimível clamor de Prometeu recriado por Joaquim Namorado: “Abafai-me os gritos com mordaças, maior será a minha ansia de grita-los; amarrai-me os pulsos com grilhetas, maior será a minha ansia de quebra-las; rasgai a minha carne, triturai os meus ossos, o meu sangue será a minha bandeira; meus ossos o cimento de uma outra humanidade, que aqui ninguém se entrega. Isto é vencer ou morrer!”

Estas exortações veementes voltam a ter sentido perante um País cada vez mais desigual, a sistemática destruição das conquistas do 25 de Abril, a fome, o desemprego, a crise na Justiça, o medo que se voltou a instalar. Sei que por todas estas circunstâncias Maria Barroso, também lhe apetece repetir os versos emblemáticos de Alvaro de Campos: “Hoje não faço anos. Duro. Somam-se dias (….) Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira”. Mas todos sabemos que, apesar das contrariedades e desilusões, a esperança é um sinal de luz que lhe ilumina o caminho e se comunica aos que tem o privilégio do seu convívio e da sua amizade.

Jornalista