Ortorexia: comer obsessivamente bem pode ser uma doença

Ortorexia é considerada uma obsessão patológica por uma alimentação nutritiva, pura e biológica. ?Afinal, qual é a fronteira entre comer de forma saudável e comer de forma “demasiado” saudável?

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Darren Tunnicliff / Flickr

Diego Ciniciato tornou-se escravo do que parecia ser inócuo: comida saudável. Muitas vezes, para “uma digestão mais rápida”, comia um batido de frango com saliva misturada. Diego também fazia outros batidos, mas os alimentos que podia consumir contavam-se pelos dedos das mãos. O programador brasileiro de São Paulo vivia na ânsia da aparência física perfeita: “Ao longo do tempo, comecei a perder amigos e a sofrer de depressão, apesar da aparência saudável por fora, estava em pedaços por dentro”, contou ao P3, em entrevista por email. Com apenas 22 anos, Diego ainda vive na “ditadura” da alimentação saudável: não sai à noite, não voltou a beber álcool e a sua vida social é muito restrita.

 

Esta fixação dá pelo nome de ortorexia, um termo de origem grega, cunhado pelo médico norte-americano Steven Bratman, autor do livro "Health Food Junkies". Mas, apesar de ser classificada por profissionais de saúde como uma obsessão patológica por uma alimentação nutritiva, pura e biológica, a verdade é que este transtorno alimentar não foi ainda classificado enquanto tal em manuais de psquiatria como o DSM (Diagnistic and Statistical Manual of Mental Disorders), da sociedade norte-americana de Psiquiatria.

 

?Afinal, qual é a fronteira entre comer de forma saudável e comer de forma “demasiado” saudável? A diferença pode passar despercebida, mas existe quando “não se ingere qualquer alimento que não cumpra os requisitos previamente estabelecidos ou quando a qualidade dos alimentos passa a estar presente de forma constante”, afirma a nutricionita Daniela Seabra. Este tipo de conduta pode, segundo a mesma especialista, ficar fora de controlo e levar ao isolamento e “desinteresse por outros assuntos”. No fundo, as escolhas da comida que se ingere podem tornar-se tão restritivas, tanto em número de alimentos como de calorias, que o objectivo de ser extremamente saudável acaba por não resultar. E, então, pode acontecer o oposto.

 

O "doente" sente-se culpado quando se afasta da dieta e prefere não sair de casa. Assim, as consequências sociais, segundo Daniela Seabra, "são perigosas" e a pessoa pode, mesmo, colocar-se num pedestal nutricional: “Este individuo passa a recusar todos os alimentos que não preencham os seus requisitos de qualidade e pode, muitas vezes, estar associado a sentimentos de superioridade para com todos os que não têm os mesmos cuidados alimentares que ele.”

 

Ainda de acordo com a mesma fonte, aparentemente, não há uma relação entre a moda da alimentação saudável e este tipo de distúrbio alimentar. Todavia, admite que a presença de alimentos repletos de compostos com efeitos prejudiciais possa ter tido “mais impacto” no surgimento deste tipo de comportamento. 

 

No caso de Diego, foi um amigo quem o avisou que poderia sofrer deste distúrbio, depois de ver algumas notícias que o alertaram para essa possibilidade. O jovem aceitou a ajuda e foi à procura de uma solução para o seu comportamento disfuncional através de um nutricionista e de um psiquiatra. A recuperação envolve mudanças de hábitos — enquanto a maioria dos amigos tenta descartar alimentos não saudáveis, ele esforça-se para fazer exactamente o contrário.

 

Hoje, faz parte de um grupo de ajuda, que já conta com mais de 600 membros, para pessoas que sofrem deste distúrbio. Naquele espaço — estes grupos começam a ser habituais no Brasil —, são discutidas questões e tendências relacionadas com o comportamento alimentar. A página de facebook do grupo, constituído maioritariamente por brasileiros, contém testemunhos de adultos que ultrapassaram a doença e até de jovens que a descobriram recentemente. Os administradores do grupo esclarecem, desde logo, que não recomendam dietas nem são gurus. Aliás, não o querem ser: "Queremos conversar sem agredir ou ofender. Queremos disponibilizar um espaço para que as pessoas possam opinar sobre alimentação sem dogmas e sem medo de serem felizes". As conversas dos membros, marcadas por um discurso motivador, só estão condicionadas a uma regra: não podem incentivar a prática de comportamentos ortoréxicos.

 

Hoje, Diego consegue comer “junk food” uma vez por semana. Sem remorsos. O percurso para uma saúde equilibrada já arrancou. Sem medos.

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