O que dizem os mercados?

Enquanto trabalhador é-te exigido profissionalismo, quando não te dão as condições para tal. Fazem-te crer que se falhas é por culpa tua, porque te falta o tal talento e não estás a dar o teu melhor

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Luke MacGregor/Reuters

Há já quem diga que a crise não é mais do que uma vingança dos mercados contra o Direito do Trabalho, ou seja, que o Direito foi longe demais na protecção de direitos e é um empecilho no caminho do capitalismo e das políticas neo-liberais. Assim se justificam as medidas de flexi-segurança adoptadas desde o início da crise, em especial a reforma laboral introduzida em 2012; a qual contribuiu para a desconsideração da pessoa do trabalhador, do valor do tempo de trabalho e de vida, como defende o professor Jorge Leite, especialista em Direito do Trabalho.

A juntar às regressões da Lei do Trabalho, uma novilíngua tem-se imiscuído no cenário laboral. Novilíngua que Orwell referia como linguagem criada para restringir e condicionar o pensamento, subvertendo, invertendo ou redefinindo a realidade; de modo a manipular as massas, com o objectivo de as convencer à subjugação. Que é como quem diz: controlar, mantendo toda a gente na linha de interesse de quem aplica essa tal novilíngua.

A novilíngua da moda é concebida pelos próprios mercados. Enquanto trabalhador é-te exigido profissionalismo, quando não te dão as condições para tal. Fazem-te crer que se falhas é por culpa tua, porque te falta o tal talento e não estás a dar o teu melhor. Chamam-lhe inadaptação e podem despedir-te por isso, graças à reforma laboral de 2012 (flexi-segurança, dizem).

E mais, se quiseres defender-te, não podes, pois a ideia de defenderes os teus direitos e entrares em conflito com a chefia é-te sempre negada e pode ser interpretada como ingratidão ou falta de educação. Gostar de ser bem tratado é visto como sinal de comunismo e não queres levar com esse rótulo no trabalho, pois não? És só mais um a produzir a riqueza de outros e há mais na fila, se não quiseres.

Fora do mercado laboral, a novilíngua dos mercados também tem dado o ar da sua graça. As empresas e corporações arranjaram um bela forma de “responder” à crise. Usam as redes sociais como meio de difusão e publicidade e querem ensinar-te a “lidar com o desemprego”; como se a culpa da crise fosse tua ou como se se tratasse de um problema psicológico. Inventam esquemas como: DESEMPREGO - D de determinação, porque há que acreditar sempre(!); E de entusiasmo, porque é uma oportunidade de mudança; S de sorte, porque também é um factor e tens de te manter atento a todos os sinais que evidenciem uma oportunidade; E de experiência, e esta não se percebe; M de mobilização, porque tens mesmo é que te mexer; P de paciência, pois claro; R de rigor, porque deves empenhar-te na tarefa da procura; E de ensinamentos, porque a situação de desemprego te dará grandes lições de vida; G de gestão, porque tens de te tornar um verdadeiro gestor, já que estás com o orçamento limitado e com “demasiado” tempo livre; e, por fim, O de orientação, porque tens de te orientar e se vires que não consegues, ou procuras ajuda psicológica ou uma empresa que te consiga orientar, como uma ETT. Que conveniente.

Os mercados têm-se empenhado em atribuír todas as culpas ao indivíduo. Também a crise. Mas de onde vem mesmo a crise, afinal?

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