Igreja dos Jerónimos vai celebrar 500 anos de cara lavada

Limpar, sanear juntas e fragmentos soltos, devolver a cor do lioz às paredes e abóbadas em dez fases. Uma “intervenção urgente” que já começou.

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Os trabalhos deverão estar concluídos em 2022, no 500.º aniversário da igreja terminada por João de Castilho em 1522 rui gaudêncio
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Há rostos e animais escondidos nas abóbadas da Igreja do Mosteiro dos Jerónimos. Só os técnicos de conservação – e os jornalistas que esta quinta-feira subiram aos andaimes – os vêem de perto, 26 metros a separá-los do chão da igreja que é vista como um exemplo maior do estilo manuelino. Quinhentos anos depois da conclusão da igreja, as abóbadas e as paredes interiores e exteriores vão ter a cara lavada na sequência de uma parceria estimada em dois milhões de euros entre a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e a associação World Monuments Fund Portugal (WMFP). Agora, estamos em plena fase 2. De dez. E de uma “intervenção urgente”, segundo a DGPC.

A identificação do cavalo erguido ou de uma criatura com chifres nas laterais das pedras de fecho, lá em cima nas alturas, é apenas um presente inusitado oferecido pela operação de conservação e restauro que até Maio deve recuperar as abóbadas e paredes da nave esquerda da igreja. É então a segunda fase, apresentada publicamente esta quinta-feira, dos trabalhos que deverão estar concluídos em 2022, no 500.º aniversário da igreja terminada por João de Castilho em 1522.

Sem afectar as visitas, que são gratuitas e que estão estimadas em 2,5 milhões de pessoas por ano – o que torna a Igreja Paroquial de Belém num dos monumentos mais visitados do país , o templo composto por três naves à mesma altura cobertas por uma abóbada única vai então recuperar da sujidade que se acumulou nas suas paredes e tectos, ver reposta a solidez das suas juntas e ultrapassar os problemas de desprendimento de alguns fragmentos. “O plano nasce de um problema, a degradação de alguns blocos de cantaria desta igreja”, explicou aos jornalistas o arquitecto Ângelo Silveira, da DGPC, e que “é recorrente desde meados do século XIX”.

Por isso mesmo, desde 1999 realizaram-se os preparativos – investigação, levantamentos e estudos – e uma década depois passava-se ao planeamento de uma intervenção. A fase 1, em 2013, foi quase um diagnóstico clínico das maleitas das paredes e abóbadas de lioz. Mas também passou por alguma recuperação, tendo sido intervencionadas a sala da torre sineira, a zona do coro alto e a capela do transepto e, segundo a conservadora restauradora da DGPC Antónia Tinturé, foram também passadas em revista as paredes e abóbada relativas à capela-mor. Uma intervenção prospectiva. “Os monumentos têm um conjunto de patologias que temos de tratar para os conservar”, atesta o arquitecto João Carlos Santos, subdirector-geral do Património.

E que doenças eram estas? “A humidade” é um dos maiores inimigos da Igreja do Mosteiro dos Jerónimos, explica Ângelo Silveira, mas vêem-se também aos 15, 20, 26 metros algumas teias de aranha, o negro do pó acumulado, as fissuras a desaparecer nas paredes e juntas já devidamente “repreenchidas”, explica o arquitecto Delgado Rodrigues, membro do conselho científico permanente do WMFP. Entre andaimes, sobe a lista de problemas mais e menos urgentes que afectam “uma das melhores pedras do mundo, o lioz”, diz Delgado Rodrigues.

Mas que, por vir de diferentes pedreiras, tem uma qualidade desigual, explica Ângelo Silveira. Assim, há causas diversas para as dores da Igreja dos Jerónimos, “um conjunto de problemas tem a ver com a antiguidade e com a proveniência das pedras”, precisa este arquitecto, sendo que “o problema de desagregação de alguns blocos de cantaria prolonga-se também a algumas paredes”, interiores e exteriores. Por isso, há cinco fases de recuperação no interior da igreja e outras cinco no exterior.

Os técnicos da empresa Nova Conservação dedicam-se às paredes, a luz entra pelos vitrais, filtrada pelas suas cores, e Delgado Rodrigues detalha as fases deste processo para cada pedaço de lioz: a limpeza por aspiração, “uma esponja molhada, que quase sempre é suficiente”, o saneamento das juntas e fragmentos e depois a harmonização cromática – passar “água de cal com pigmentos, uma veladura final que não danifica, protege e uniformiza” a cor entre o branco e o rosado que já se vê em parte dos 30 metros da parede da nave esquerda e a sua abóbada, que agora estão a ser intervencionados.

Não sendo esta a primeira intervenção na igreja – a última feita nas abóbadas da nave e suas juntas remonta à década de 1960 e não terá sido feita com as técnicas mais adequadas , ela visa dar “uma nova imagem”, descreve Ângelo Silveira, ao espaço onde se encontram os túmulos de Vasco da Gama, Luís de Camões, do cardeal-rei D. Henrique ou de D. Sebastião.

O dinheir para uma empreitada sobre cerca de 25 mil m2 de superfície pétrea no interior e no exterior da igreja sairão “do orçamento da DGPC e de fundos que têm sido recolhidos”, precisa Nuno Vassallo e Silva, director-geral do Património. “Estou certo de que vamos conseguir levar a bom porto esta campanha, estamos a falar da garantia da preservação do nosso património.”

Esta segunda fase, orçada em 150 mil euros, foi financiada em dois terços pelo WMFP, “uma parceria fundamental” e das “mais felizes, no sentido do sucesso das iniciativas”, segundo Vassallo e Silva. José Blanco, presidente da WMFP, explicou que esta tranche contou com o contributo de um mecenas norte-americano, a Fundação Annenberg.

A WMFP, associação filial da WMF americana e que tem uma longa tradição na angariação de fundos mecenáticos para este sector, tem já uma também longa lista de apoio a obras de valorização do património português. Da Torre de Belém (1995-98, e Prémio Europa Nostra 1999) à estátua de D. José I no Terreiro do Paço (2012-13), passando pelos trabalhos na estatuária, fontes e lagos dos Jardins do Palácio Nacional de Queluz (2003-10), ou pelo próprio Claustro dos Jerónimos (1998-02), entre outros.

Com a Igreja dos Jerónimos na lista de afazeres até 2022, ”a próxima intervenção nesta parceria será, eventualmente”, estimou José Blanco, “o restauro da capela das Albertas do Museu Nacional de Arte Antiga”. 

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