O norte-americano que joga pelo Iraque

Justin Meram nasceu em Michigan e nunca esteve na terra dos seus pais, mas vai jogar pelos “Leões da Mesopotâmia” na Taça Asiática de futebol.

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Meram jogam no Columbus Crew desde 2011 John E. Sokolowski-USA TODAY/Reuters

Começou nesta sexta-feira a competição de futebol que representa mais de metade da população mundial, que até nem se realiza num país que faz parte do continente. Este ano, a Taça Asiática de futebol vai até à Austrália, que, para efeitos futebolísticos, é um país asiático desde 2006 – e é uma das grandes potências do continente, já com um segundo lugar conquistado no torneio de 2011. Mais habituado a esta competição está, por exemplo, o Iraque, que em 2007 se sagrou campeão. Só nesta segunda-feira é que os “Leões da Mesopotâmia” entram em acção (defrontam a Jordânia), mas esta selecção iraquiana já entrou para a história. É que entre os convocados, e com muitas possibilidades de ser titular, está um jogador que não nasceu em Bagdade ou Mosul, mas em Shelby Carter Township, um bairro suburbano a norte de Detroit, no estado norte-americano de Michigan.

Justin Meram, avançado do Columbus Crew, da Major League Soccer (MLS), nunca esteve no Iraque, não sabe falar árabe, mas já se emociona a ouvir o hino do seu país e sente orgulho em representar o país dos seus pais, que há não muito tempo estava em guerra com o país onde nasceu.

Não é inédito que uma selecção nacional de futebol (ou de outro desporto) procure na diáspora o que não encontra no seu território. Os exemplos são inúmeros e, só para citar um exemplo com conexão portuguesa, é o que Carlos Queiroz tem feito na selecção do Irão, tendo chamado para o último Mundial o defesa Steven Beitashour, natural de San Jose, na Califórnia, mas deixou-o de fora desta Taça Asiática.

Meram foi uma descoberta recente da federação iraquiana, apesar de já ter 26 anos e quatro anos na MLS, e estreou-se apenas em Novembro de 2014, durante a Taça do Golfo. O Iraque empatou um jogo e perdeu dois, Meram foi titular nos três, mas fez o suficiente para merecer a presença na equipa que iria estar na Taça da Ásia.

O seu nome começou a ser falado para a selecção iraquiana através de um site gerido por um estudante no Dubai sobre jogadores da diáspora, sendo que o gestor desse site acabaria por arranjar um lugar na federação de futebol do país, o que fez com se desse início ao processo de obtenção de dupla nacionalidade para Meram. Mas o caminho não foi, propriamente, uma linha recta. E a burocracia entrou em acção. Meram precisava de vários documentos que o seu pai não se tinha preocupado a trazer quando se radicou nos EUA.

Seguiram-se vários meses de espera, com muitas trocas de correspondência entre as federações dos dois países, contactos falhados e promessas adiadas. Só a cerca de um mês do início da Taça do Golfo é que Meram recebeu o seu passaporte iraquiano, não com o seu nome de baptismo (Meram é cristão), mas com um nome de acordo com a tradição iraquiana, Justin Hikmat Aziz (o seu primeiro nome, mais o nome do pai e o do avô).

Agora, apesar de alguma natural dificuldade de comunicação com os colegas, Meram está disposto a ajudar um país em turbulência permanente que nunca visitou, mas que sente como seu: “Tem sido tão castigado pela guerra e pela violência que não levo a mal quando as pessoas dizem que aquele país não tem coisas bonitas. Mas, quem sabe, eu possa contribuir, de uma forma microscópica para que alguma coisa mude, mostrar às pessoas que nem tudo é mau.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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