Todos temos espelhos em casa

A beleza é aquilo que nos torna diferentes uns dos outros. Isso sim. A beleza é tudo, e não é nada. É aquilo que vemos e que criamos na nossa mente

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Diet Munhoz/ Flickr

Todos temos espelhos em casa, e o nosso reflexo não é novidade. Umas vezes não gostamos do que vemos, porque a noite foi dura ou porque o cansaço se faz sentir, outras o espelho torna-se vício momentâneo. Se num dia levamos o peito cheio, depois de um repentino mas inspirador vislumbre do refletor, no outro receamos sair da toca por falta de confiança, e o repentino passa a paranóico. O nosso estado de espírito é parte essencial da vida, um condicionador de sucesso em todas as frentes, e sentirmo-nos bem ao sair de casa, sentirmo-nos belos, é muito importante.

Desde pequenos que sabemos como somos, como são os traços do nosso rosto e a forma do nosso corpo. Sabemos qual é o nosso melhor “lado” quando nos tiram uma fotografia, se ficamos bem a sorrir ou se devemos esconder os dentes. Sabemos que roupa usar, que cor vestir e que estilo de penteado nos fica bem. Se sabemos quando estamos bem, também sabemos quando estamos mal, porque já experimentámos estar assim muitas vezes, não é? A partir de uma certa idade olhamos para nós próprios com olhos de ver, e a meu ver, só aí percebemos o que realmente se passa. O que é ser belo? Se num dia somos, e no outro não? E se eu me acho belo, isso basta para que o seja realmente? Ou tudo se processa num sistema de distribuição de gostos, embrulhados em duelos a tiro com tudo o que vemos e ouvimos através da comunicação social, mais a mais a nossa maneira de ser? Um embrulho de tal tamanho que até os nossos próprios impulsos, os verdadeiros que nasceram connosco, se tornam inconstantes. As nossas atitudes e ações tornam-se previsíveis. Levamos na mente preconceitos e estereótipos que retiram toda a originalidade do que vemos à nossa volta. Somos envolvidos por toda uma epidemia, que nos distorce a visão e torce a mente até que o nosso pensamento se torna deficiente. Se a beleza é relativa porque nós próprios a vemos assim no dia-a-dia, ainda mais se transforma devido a tudo o que nos é posto dentro da cabeça. E nem sequer damos por isso. Cada vez mais somos influenciados por algo muito, mas muito, maior que nós. Não há forma de bloquear esta onda de distorção que nos atormenta.

O mundo nasceu puro, e puro nasceu o homem. Pura nasceu a sociedade humana, e éramos belos. Se éramos… A espontaneidade reinava, cada qual com os seus gostos, cada qual com o seu próprio conceito de beleza. Descobríamos a beleza noutro organismo vivo, sem pensar duas vezes, e agíamos de acordo com isso. O nosso coração comandava, e os seus batimentos eram definidores da ação.

Hoje em dia sabemos o que é belo. Sabemos que a modelo número um do mundo é bela, que o homem com o corpo musculado e depilado é o sonho de qualquer mulher. Pelo menos é o que toda a gente pensa, não é? É o que vemos ser apreciado pelas massas, e acabamos por ser levados pela corrente. Essa corrente forte que nos leva para mar alto, nos afoga, nos corta a respiração e nos silencia a inspiração. Não devemos ser iguais, não nos devemos definir pelos mesmos gostos. Quem vive procurando o ser perfeito, o auge da beleza, será sempre infeliz.

A beleza é aquilo que nos torna diferentes uns dos outros. Isso sim. A beleza é tudo, e não é nada. É aquilo que vemos e que criamos na nossa mente. Sonhos, crenças, atitudes e impulsos. É o que somos cá dentro. É a lenha que alimenta o fogo que nos faz viver. E é isso que nos torna únicos. Isso sim é a beleza.

 Este texto foi escrito de acordo com o novo acordo ortográfico.

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