E viveram felizes para sempre. E depois, o que há?

Quando o final não é o que esperamos: Caminhos da Floresta, um conto de fadas dos tempos modernos, chega nesta quinta-feira às salas. Um filme sombrio da Disney, um musical de Rob Marshall.

Fotogaleria
O padeiro (James Corden) e a sua mulher (Emily Blunt) DR
Fotogaleria
João (Daniel Huttlestone) e a sua mãe (Tracey Ullman) DR
Fotogaleria
Anna Kendrick é Cinderela DR
Fotogaleria
Rapunzel (Mackenzie Mauzy) DR
Fotogaleria
DR
Fotogaleria
Lilla Crawford dá vida a Capuchinho Vermelho DR
Fotogaleria
Meryl Streep é a bruxa do filme DR
Fotogaleria
DR
Fotogaleria
DR
Fotogaleria
DR

Esta é uma história que começa com um “era uma vez” mas que não acaba com um “e viveram felizes para sempre”. Afinal, assim é a vida também. Coisas más acontecem a pessoas boas. Esta é a história de um padeiro e da sua mulher, amaldiçoados por uma bruxa, mas também é a história do Capuchinho Vermelho, do João e o seu Pé de Feijão, da Rapunzel e da Cinderela, talvez como nunca os imaginámos. É um conto de fadas que tem tanto de encanto como de violência. Há traições, mortes e até um lobo um tanto ou quanto perverso. Caminhos da Floresta é o novo filme da Disney, um musical de Rob Marshall, adaptado do sucesso da Broadway Into The Woods. É a vingança dos contos de fadas ou só uma história dos nossos dias?

É talvez o filme mais sombrio da gigante Disney, conhecida exactamente pelas suas histórias de encantar. Aquelas histórias que até podem começar mal mas que acabam sempre bem, normalmente com casamentos vistosos – o príncipe que encontra a sua princesa e a bruxa que desaparece para sempre. Aquelas histórias em que os bons ganham eternamente e os maus são deixados de lado. É esta mesma Disney que pôs gerações a suspirar com os seus contos de fadas que agora aceitou trazer para o grande ecrã uma história onde nem sempre o bem prevalece. É uma história que vai para lá do habitual, e já cliché, “…e viveram felizes para sempre”. O que acontece depois disso?

“Esta é uma visão moderna dos contos de fadas e fiquei muito impressionado com o entusiasmo demonstrado pela Disney em avançar com o filme”, diz Rob Marshall numa conversa com vários jornalistas em Londres, certo de que se Walt Disney fosse vivo quereria que histórias assim fossem contadas.

A história de Caminhos da Floresta não é original: o filme é uma adaptação do aclamado musical Into the Woods que se estreou na Broadway em 1987 e que tem uma legião de fãs nos Estados Unidos quase ao nível de sagas como A Guerra das Estrelas. Já tinha sido pensada para o cinema no passado, ainda nos anos 1990, com Cher no papel de bruxa e Robin Williams no papel de padeiro. O projecto ficou na gaveta enquanto o desejo de Rob Marshall, que já tinha visto o espectáculo, de pegar na peça foi crescendo. O musical não lhe é um género estranho – em 2003 ganhou os prémios que havia a ganhar (Óscares, Globos de Ouro) com Chicago – mas outros filmes foram-se sobrepondo a Caminhos da Floresta (Piratas das Caraíbas por Estranhas Marés, Nove, Memórias de Uma Gueixa). Também por ter a certeza de que apenas avançaria com o projecto se tivesse as melhores das condições reunidas. A começar por ter ao seu lado James Lapine, o autor do musical, e o compositor Stephen Sondheim, responsável pela banda sonora original.

“É uma daquelas peças que acho que foi à frente do seu tempo”, conta o realizador, revelando que a primeira pessoa que chamou para integrar o elenco foi Meryl Streep, que prontamente aceitou o desafio. “Foi um sonho, não imagino nenhum realizador no planeta que não morresse para trabalhar com ela.” Depois disso, Marshall convidou Johnny Depp, com quem tinha trabalhado em Piratas das Caraíbas. O actor aceitou mas com a condição de que teria um papel pequeno. “Ele queria fazer parte do elenco mas não ser ele a carregar o filme”, diz Rob Marshall, questionado pelo Ípsilon. Johnny Depp é o lobo, aquele que persegue o Capuchinho Vermelho na floresta – mas também aqui a história tem contornos diferentes daquela dos irmãos Grimm.

O lobo que vemos em Caminhos da Floresta é perverso, as suas intenções para com a criança (Lilla Crawford) não são claras. “É um tema delicado, embora ele seja um lobo”, aponta o realizador, respondendo às críticas de que o tema cantado por Depp é de cariz sexual. “Nós vemos o que queremos ver, obviamente que o lobo está a falar sobre comer a sua refeição, mas há formas diferentes de olhar e para mim isso é que é interessante”, diz, com a certeza de que “as crianças vão só ver o lobo assustador que quer atacar o Capuchinho Vermelho”.

Meryl Streep também está do lado dos vilões. É a bruxa, papel que já lhe valeu uma nomeação para os Globos de Ouro na categoria secundária de representação, e a personagem à volta da qual a história acontece: é ela que lança um feitiço ao padeiro (James Corden) e à sua mulher (Emily Blunt – também nomeada para os Globos de Ouro na categoria de melhor actriz), impedindo-os de terem filhos. Para reverter a maldição, o casal tem de partir para a floresta à procura dos bens pedidos pela bruxa: uma vaca branca como o leite, uma capa tão vermelha quanto o sangue, um cabelo amarelo como o milho e um sapato puro como o ouro. E, de repente, tudo se cruza. E tudo se baralha. Há um antes e um depois da floresta. Como na vida real, as pessoas cruzam-se e coisas inesperadas acontecem. E se aquilo que tanto desejávamos não é afinal o que realmente queríamos? E se o príncipe (Chris Pine) não quiser realmente ficar com a Cinderela (Anna Kendrick)? Ou a Cinderela com ele? E se o Capuchinho Vermelho perder mesmo a avó?

“Hoje as crianças vivem a perda e a escuridão numa idade muito precoce, basta pensarmos naquilo que têm de enfrentar na actualidade: tiroteios nas escolas, terrorismo, alterações climáticas, tanta coisa. Como é que se conforta uma criança?”, questiona o realizador, para quem a mensagem principal de Caminhos da Floresta é que, aconteça o que acontecer, não ficarão sozinhos.

Uma saída

Pode não ser a família que imaginaram para si ou a vida com que sempre sonharam mas há uma saída. Tem de haver. “Esta é uma mensagem muito importante e muito relevante para os dias de hoje. Alguém disse que isto era a vingança dos contos de fadas e de alguma forma é”, explica Rob Marshall, que dividiu o filme em duas partes, à semelhança do que acontece na história original. “A primeira parte do filme é muito sobre os indivíduos, sobre ir atrás de um desejo sem pensar nas consequências; as personagens vão para a floresta para conseguirem o que querem mas depois há as consequências”, continua, exemplificando com o pequeno João (Daniel Huttlestone), que consegue trazer do seu enorme feijão várias moedas de ouro do gigante que vive lá em cima. “E depois? Depois é claro que terá de lidar com o gigante. É o que adoro na história: na segunda parte precisamos de estar juntos para combater o gigante, temos de encontrar uma saída juntos.”

Anna Kendrick, a Cinderela, admite que o filme pode ser violento, mas não duvida de que é apropriado para crianças. É, na verdade, apropriado para todas as idades, diz. “Já vi muitos filmes da Disney violentos, lembro-me de me assustar com A Bela e o Monstro, por exemplo, mas a ideia de uma mulher beijar um homem que não é o seu marido parece levar as pessoas a fugirem dos cinemas com os seus filhos. Vá lá, não sabemos todos que o adultério existe?”

Para a actriz, que viu Into the Woods quando tinha dez anos, “há lições que são importantes para os miúdos”. “Se tivesse um filho, acho que seria importante mostrar-lhe que os contos de fadas são amorosos e simples e fazem-nos sentir bem, mas que as vezes a vida não é tão simples assim”, responde ao Ípsilon Anna Kendrick, mostrando-se agradecida por trabalhar num musical. “São poucos e distantes entre si e acho que se hoje isto acontece o devemos ao Rob, que mudou a nossa visão do género com Chicago”, acrescenta. “A verdade é que não nos sentimos ridículos por cantar, sentimos que é natural”, continua.

“Lembro-me de que quando fiz Chicago dizia-se que os musicais estavam mortos, que ninguém ia ver, mas eu nunca acreditei que o género tinha morrido. Acredito que é a forma como é feito que faz a diferença”, diz Rob Marshall, deixando claro que respeitou o mais possível a história original mas que houve alterações que tiveram de ser feitas. “O musical viverá sempre no palco, é o que o sustém. Mas quando o fazes em filme não te podes esquecer de que é um filme, é um meio diferente, tens de ser inteligente”, explica o realizador, contando que não conseguiria aguentar este musical “mais dez minutos”. “Seria de mais.”

James Corden, mais conhecido no teatro britânico, destaca “a história que não acaba”. Ora com momentos de comédia, de romance, ou de drama. “Não duvido de que o verei daqui a dez anos e ainda fará sentido”, diz o actor. “Não sei se podemos dizer isso de muitos filmes de hoje. O cinema como o conhecemos mudou um bocado e tornou-se algo que não sei muito bem definir”, conta Corden  ao Ípsilon, explicando que não se imagina, por exemplo, a ver o Capitão América daqui a dez anos.

Mas afinal o que faz de Caminhos da Floresta um filme diferente? “A mensagem”, diz o actor. Não é preciso ter uma história maravilhosa, daquelas com final feliz, para passar uma mensagem nobre. “Não interessa quem és ou as circunstâncias em que nasceste, há incidentes que aparecem no caminho e não há nada que se possa fazer, teremos de lidar com eles dê por onde der. É o que fazemos todos aqui.”

O Ípsilon viajou a convite da Disney

Sugerir correcção
Comentar