Um lugar no presépio

Mark Kozelek faz um esforço para amar a humanidade e canta-nos canções de Natal

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O calor de Sings Christmas Carols não é assim tão estranho à persona de clown deprimido, zangado e auto-depreciativo que Mark Kozelek cultiva

A melhor canção de Natal alguma vez escrita por um músico, vá, pop, chama-se Just like Christmas, é dos Low e o assunto não está aberto a discussão; a melhor canção de 2014 dá pelo nome War On Drugs, suck my cock, foi escrita por Mark Kozelek (ex-Red House Painters, ainda dos Sun Kil Moon e de quem o quiser aturar), e o assunto não está aberto a discussão. Muito recentemente, Alan Sparhawk juntou-se em palco a Kozelek para uma versão de Suck my cock, pelo que magnífico, magnífico, era um disco de canções de Natal escritas por Kozelek e pelos Low no mesmo registo de Suck my cock. Mas Kozelek assim não o quis e resolveu editar um disco (aproximadamente o seu 374.º nos últimos dois anos) de versões de clássicos de Natal assente apenas em guitarra e voz, ou, no caso de O come all ye faithfull, só voz. Por clássicos entenda-se a interpretação que Kozelek tem da palavra — aqui há espaço para 2000 miles, dos Pretenders, que está longe de pertencer ao cânone. A versão, contudo, é espantosa, como também a de Away on a manger

Quem conhece Kozelek mas não ponderou muito na sua particular maneira de ser, ficará certamente espantado com o álbum: há um calor raro nos discos deste campeão do mau feitio; há, por vezes e aparentemente, quase que um conforto ausente nos Red House Painters. Mas no fundo da suposta misantropia de Kozelek existe desde o início empatia humana, uma tentativa de gostar da humanidade que é boicotada, à vez, pela humanidade e pelo próprio Kozelek (que é o primeiro a reconhecê-lo). Pelo que a quentura de Sings Christmas Carols não é assim tão estranha à persona de clown deprimido, zangado e auto-depreciativo que Kozelek cultiva. Segue-se ainda o facto de, em escutas sucessivas, notarmos um twist: não só a voz grave de Kozelek casa bem com estes “clássicos”, como ele os transforma em temas seus — com uma dose de amargura menor do que o habitual, certo, mas ainda sim muito longe do vapor plástico que por norma enforma estas tentativas de capitalizar no excesso de açúcar que corre nas veias dos humanos por estas alturas. Os Low permanecem a estrela que guia quem quer que se proponha ser autor deste tipo de cantigas, mas Kozelek ganhou o seu lugar no presépio. E não é como burro. Tenham um santo natal, apreciem estas cantinelas, mas não se esqueçam desuck my cock.

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