Como estaremos quando estalar a próxima crise na Europa?

Tudo indica que teremos novidades políticas no primeiro semestre do novo ano resultante das eleições legislativas no Reino Unido e na Grécia (caso o Presidente não seja eleito na terceira volta) e no segundo semestre em Espanha e Portugal. O mapa político europeu alterar-se-á. Por mais jogo de cintura da Comissão, do Conselho ou do ECOFIN, será muito difícil lidar com países que dizem que não cumprem nem com o Tratado Orçamental (intergovernamental) flexibilizado, nem com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (com maior força jurídica).

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Tudo indica que teremos novidades políticas no primeiro semestre do novo ano resultante das eleições legislativas no Reino Unido e na Grécia (caso o Presidente não seja eleito na terceira volta) e no segundo semestre em Espanha e Portugal. O mapa político europeu alterar-se-á. Por mais jogo de cintura da Comissão, do Conselho ou do ECOFIN, será muito difícil lidar com países que dizem que não cumprem nem com o Tratado Orçamental (intergovernamental) flexibilizado, nem com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (com maior força jurídica).

Quando chegar a próxima crise o essencial é saber como estará Portugal, não apenas nas variáveis que representam os fundamentos económicos e sociais do país, mas na capacidade de diálogo interna, e nas alianças europeias externas para lidar com os problemas que temos entre mãos. A dívida pública é um deles, e deveria constituir motivo de diálogo construtivo, no diagnóstico e na solução, o oposto do que se verifica entre nós.

2. Aquilo que me surpreendeu no debate político na Assembleia da República, foi lidar-se com este problema como todos os outros, ou seja como “arma de arremesso” para daí tirar dividendos políticos no período de pré-campanha. Maria Luis Albuquerque referiu no debate que “existem essencialmente duas opções: prosseguir o esforço disciplinado que já está a dar frutos, ou admitir soluções extremas com repercussões graves para o país. "Parece-me que existe uma terceira opção, mas antes de a explorar, vejamos estas duas opções.

3. Comecemos pelas visões extremas, que têm o mérito de reconhecer a gravidade da situação, algo que o governo subestima, mas que são radicais. Há sobretudo duas, uma política e outra técnica. A avançada pelo PCP, insere-se numa estratégia de clara ruptura com o Tratado Orçamental, o Pacto de Estabilidade e Crescimento e assumidamente de saída do euro e de desintegração “desta Europa”.

Há várias questões que convém colocar a quem defende a saída do euro. Que impacto teria nos salários reais dos portugueses e nas pensões uma desvalorização cambial da ordem dos 30% e consequente inflação importada, que o “novo escudo” teria relativamente ao euro? Será que as desigualdades sociais, algo que deve preocupar a esquerda, seriam reduzidas ou agravadas, tendo em conta que os mais informados e mais ricos seriam os primeiros a colocar as suas poupanças em boas aplicações imunes a esta desvalorização? Como se resolveria o problema das necessidades de capital das empresas públicas com elevado passivo e que têm contribuído, e contribuirão, para o aumento da dívida?

Uma outra proposta, esta técnica, mas também radical, porque unilateral e envolve uma considerável recapitalização da banca, é a apresentada por Ricardo Cabral, E. Pires, F. Louçã, e P.N. Santos. Tem o mérito de ser bem fundamentada e de discutir as alternativas, nomeadamente o Plano Draghi. A vontade não é sair do euro mas forçar uma reestruturação das dívidas, pública e externa, se possível no euro. Porém, não se compreende como é que um avanço unilateral de reestruturação da dívida não teria essa consequência.

4. A ideia do Governo de “prosseguir o esforço disciplinado” sem nenhum tipo de medidas adicionais, é aquilo que designei na Assembleia da República como solução teórica, para a sustentabilidade da dívida pública. Em teoria, é possível ter um saldo orçamental, sem juros, excedentário da ordem dos 4% do PIB já em 2017, e mantê-lo excedentário nas próximas décadas.

O problema é que para lá chegar, seria necessário um acordo político alargado e draconiano em torno de medidas de promoção do crescimento, cortes salariais na função pública, de cortes de pensões ou de aumentos de impostos. Por fim, acordos com sindicatos para o saneamento financeiro de cada uma das empresas públicas. Nas condições políticas actuais, internas e externas, a dívida não é sustentável. Basta entender que em 2015, a consolidação orçamental (medida pelo saldo estrutural) será inexistente. 

5. São necessárias medidas adicionais, convencionais ou não, para reduzir o peso da dívida e os seus encargos e Portugal deve participar activamente nesse debate. Se conseguirmos reduzir um ponto percentual do PIB nos encargos com a dívida (cerca de 1700 milhões) isto significa que o saldo primário necessário baixa dos 4% para os 3%, o que facilitaria um acordo.

As condições atuais de mercado (2,7% nas obrigações a 10 anos) sugere que poderíamos começar a liquidar a dívida junto do FMI, que é a mais cara da troika, com novas emissões. O Plano Draghi de compra de títulos da dívida pública também dará a sua ajuda para reduzir os encargos. O BCE compra dívida pública no mercado secundário com emissão monetária pelo que receberá os yields (“juros”) correspondentes. Isto fará aumentar o balanço e os dividendos do BCE, que os transferirá (80%) para os bancos centrais nacionais, que por sua vez os transferirão para os Orçamentos de Estado. Com esta operação o BCE atinge vários objectivos, combate a deflação na zona euro, promove crescimento e alivia os orçamentos nacionais.

Há, porém, várias incógnitas, desde o montante, à forma de rateio, e que serão objecto de negociação política no BCE. A forma mais provável é a quota de capital de cada país: Portugal detém 2,49% do capital dos países da área euro (hipótese I que representaria compra de 11,2% do stock da nossa dívida). Porém, o BCE ganharia mais com a compra das obrigações com “juros” mais elevados, isto é dos países periféricos. Uma segunda forma de rateio, seria a compra na base da proporção da dívida excessiva de cada país (hipótese II, ou 15,2% da nossa dívida). Comportaria um risco acrescido para o BCE, logo os bancos centrais nacionais teriam de dar algumas garantias colaterais ao BCE, sem as quais esta possibilidade não ganhará apoio maioritário no BCE. Seria o que nos beneficiaria mais assim como à Grécia, à Itália e à Irlanda. Finalmente, o rateio poderia ser proporcional à divida de cada país (hipótese III) o que seria, para nós a pior solução (10,5% da dívida).

A combinação da amortização progressiva de dívida ao FMI e o “Plano Draghi” teriam um efeito de redução dos juros que rondaria os 0,5% do PIB. Não resolvendo o problema, alivia o fardo da dívida e facilita a consolidação orçamental nos países periféricos do euro. São um passo para a solução que poderá passar, quando chegar o momento da crise, por transformar parte da dívida em perpétua, como sugerida pelo plano MADRE de Wyplosz e Pâris.

6. Ao contrário de 2007, em que éramos, a seguir à Grécia, o país menos preparado para uma crise financeira, não devemos chegar à próxima crise europeia na linha da frente da dívida e do défice e na linha de trás do crescimento. Não acreditamos em acordos draconianos (políticos e sociais) para a dívida, mas pugnamos pela sustentada consolidação orçamental e por acordos políticos e sociais razoáveis  que só serão possíveis com a facilitação europeia para uma solução multilateral para o crescimento e a dívida.

Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra. Professor no ISEG