Hospitais pediátricos autónomos e de referência: sim ou não?

Como poderá pensar-se que deixe de existir um hospital pediátrico de referência em Lisboa?

Ao contrário do que alguns dizem, é bem sabido que continuam a construir-se em todo o mundo novos hospitais pediátricos, em locais tão distintos como a África do Sul ou a Alemanha, de onde veio a nossa Rainha D. Estefânia que deu o nome ao actual Hospital, em Lisboa, (na sequência da doação da Quinta da Bemposta por D. Pedro V).

Nas 27 capitais dos países da União Europeia (excepção feita pela Islândia, que só tem cerca de 300.000 habitantes), existem hospitais pediátricos (para além dos muitos outros existentes nas principais cidades da maioria daqueles). Damos o caso da Inglaterra, por exemplo (onde nos especializámos) e em que, além de em Londres, existem hospitais exclusivamente pediátricos (e até alguns novos…) em Liverpool, Edimburgo, Glasgow, Newcastle, Bristol, etc.

Assim florescem em todo o mundo os hospitais pediátricos como um sinal de civilização. Portugal é também exemplo, tendo inaugurado há poucos anos um novo hospital pediátrico em Coimbra e discutindo-se um ou dois para o Porto: o Joãozinho, ligado ao Hospital de S. João, e o Maria Pia ligado ao Hospital de Santo António e ao Centro Materno Infantil do Norte.

A Irlanda, que atravessa como nós um momento difícil, anunciou a construção de um novo hospital autónomo, exclusivamente pediátrico, na sua capital, Dublin, considerado pelo primeiro-ministro irlandês como uma inadiável prioridade naciona!... Será que seremos nós os iluminados vanguardistas que irão mostrar o bom caminho aos outros? Não nos parece aconselhável…

Na legislatura anterior, quer a Assembleia Municipal de Lisboa, quer a Comissão de Saúde da Assembleia da República aprovaram por unanimidade a existência de um hospital pediátrico na capital. Mais tarde (e pela terceira vez), a Assembleia Municipal de Lisboa, numa nova moção votada também por unanimidade, procurou garantir a existência de terreno (no novo PDM de Lisboa) para um hospital pediátrico independente.

É evidente que um novo hospital pediátrico deverá ser parte de um centro hospitalar, assim tendo proximidade a um hospital de adultos (o futuro Hospital Oriental de Lisboa), devendo ser ambos autónomos, mas com colaboração mútua e partilha de experiência e saberes.

Num hospital pediátrico moderno, a tecnologia é importante, mas muito mais importante é sobretudo o “ambiente pediátrico” e a humanização, bem como a dedicação plena e a experiência naturalmente maior dos especialistas pediátricos e de múltiplos profissionais, preparados em todos os pontos do circuito, para o atendimento de acordo com as características da idade pediátrica e para a relação indispensável com as famílias. Tudo isto são aspectos indispensáveis e não facilmente reprodutíveis num hospital com adultos.

Por outro lado, o espaço do actual Hospital de D. Estefânia, expressamente doado pelo Rei, nunca poderá deixar de ser preservado e será certamente da maior utilidade ao serviço da criança, na convalescença, na reabilitação, nos cuidados continuados etc., etc., para assim não se defraudar a intenção real e as necessidades da população infantil mais frágil.

O mais importante, e mesmo fundamental, é que nunca deverá ser o dinheiro, mesmo em tempos de crise financeira, a precipitar uma opção profundamente errada e retrógrada que se irá repercutir negativamente durante múltiplas gerações, em custos humanos e materiais. Assim, a prazo, os ganhos obtidos, sobretudo pela qualidade (que hoje todos defendem como prioritária), compensarão certamente eventuais custos acrescidos (se é que existem) de uma nova construção, autónoma, moderna e com perspectivas de futuro.

Afinal não se defendem os centros de referência?

E não se pense que a Plataforma Cívica, que defende a existência, em Lisboa, de um hospital pediátrico autónomo, é contra a construção de um moderno Hospital de Todos os Santos: bem pelo contrário! Mas regredir, técnica e civilizacionalmente, isso, como portugueses, não estamos dispostos a deixar passar na ignorância da realidade.

Acreditamos, e tudo leva a crer, que o bom senso finalmente prevalecerá e que as crianças portuguesas não serão "esquecidas", até porque delas dependerá o futuro do país. E mais uma vez se refere: vale certamente a pena reflectir, ponderadamente, sobre o panorama mundial e, em particular, sobre o exemplo da Irlanda e da sua capital.

As crianças, como dizia Pessoa, são os seres mais importantes, e Portugal, para sobreviver, necessita delas. Como poderá pensar-se então que deixe de existir um hospital pediátrico de referência, em Lisboa, e servindo todo o Sul do país, os Açores, a Madeira e mesmos alguns países lusófonos?

Que há melhor para as crianças doentes e as suas famílias do que ter "um hospital só para elas": um verdadeiro hospital pediátrico? Não seria este o seu melhor presente de Natal e de Ano Novo, para 2015?

Médico cirurgião de cirurgia pediátrica e cirurgia plástica, reconstrutiva e estética, ex-presidente da Ordem dos Médicos e da Associação Médica Mundial

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