Ser criativo não é ser artista

Ser criativo não é ser artista, nem é um dom que nasce com alguns. A criatividade trabalha-se, explora-se e nasce de uma folha em branco. Não nos esqueçamos que nem tudo se vende em pacotes

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Eddie Keogh/Reuters

No seguimento de um "workshop" de ilustração deparei-me com uma realidade preocupante: as crianças deixaram de ser criativas. Pedi-lhes que esquecessem o óbvio, associassem somente duas palavras e criassem algo novo. E disto, grande parte delas já não é capaz.

Refiro-me aos desenhos absurdos de elefantes a dançar, de carros futuristas que voam por cima das nossas cabeças, de gatos azuis às riscas que não sobem às árvores de tão gordos que são, refiro-me a todo o absurdo desenhado que, por algum motivo, deixou de existir. Será porque nós, adultos, nos lembramos de dizer: "Então filho, não desenhas um telhado nessa casinha?". Ou: "Não, não Pedrinho, eu mostro-te como se desenha…”. Ou porque, simplesmente, existem demasiados novos brinquedos que tomaram a vez do papel e do lápis?

Nem tudo se vende em pacotes

Eram de facto estes os meus "brinquedos" de eleição, as antigas sebentas e lápis que eu levava debaixo do braço para a cozinha, às 7h00, e enchia de rabiscos enquanto via os desenhos animados (presumo que hoje já nem se levantem às 7h00 porque os desenhos animados já estão a ser gravados na televisão para ver mais tarde).

A criatividade, esse valor que foi sendo genericamente associado às artes, tem-se desligado completamente da formação e educação actuais. O problema é que estamos todos esquecidos que a criatividade é o motor da inovação e, neste momento, é o impulsionador dos negócios que se geram nos ambientes mais adversos. É um dos requisitos mais valorizados em qualquer entrevista de emprego, é o miolo das grandes cabeças da ciência, medicina, engenharia, e continuamos, tristemente, a achar que o desenho só serve para os meninos que mais tarde vão ser pintores ou, pior, arquitectos.

Bombardeamos as crianças com todas as actividades que existem para que "o menino saiba tocar piano, falar quatro línguas diferentes, entrar para a equipa de futebol e quiçá, ser um dia, um grande empresário".

Ser criativo não é ser artista, nem é um dom que nasce com alguns. A criatividade trabalha-se, explora-se e nasce de uma folha em branco. Não nos esqueçamos que nem tudo se vende em pacotes.

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