Banco de Portugal foi à Suíça pedir esclarecimentos sobre relações do Eurofin com o BES

Na sequência das buscas policiais, o Ministério Público constitui dois novos arguidos: a ex-directora Financeira do BES, Isabel Almeida; e o administrador do BES Vida, António Soares, com funções no Novo Banco. Um processo que culminou na apreensão de cinco milhões de registos informáticos.

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Ricardo Salgado apresentou resultados Rui Gaudêncio

O Banco de Portugal confrontou directamente, na Suíça, os responsáveis das sociedades financeiras Eurofin, sobre o seu papel, enquanto prestadoras de serviços do grupo português, em operações polémicas de compra e recompra de títulos de dívida de holdings da família Espírito Santo, entre elas a Espírito Santo International (ESI), apurou PÚBLICO junto de um alto responsável do Banco de Portugal. Estes movimentos, que determinaram perdas para o BES de 1249 milhões de euros, estiveram esta quinta-feira no centro das buscas policiais, realizadas às instalações do BES e do Novo Banco e que levaram à constituição como arguidos de altos quadros que transitaram para a nova instituição bancária liderada por Eduardo Stock da Cunha.

Apesar de ter começado a investigar no início deste ano o relacionamento dos veículos financeiros suíços com o universo Espírito Santo, como o PÚBLICO noticiou em Março, o supervisor apenas avançou com os contactos directos com as sociedades Eurofin após a intervenção estatal no BES, formalizada a 3 de Agosto. E foi já depois da criação do Novo Banco, que o departamento de supervisão do BdP enviou delegados a Lausanne, sede do Eurofin (de que o GES foi accionista, com 23%, até 2009), no quadro das averiguações à anterior administração do BES, para recolha de informações e de prova.

As autoridades investigam suspeitas de falsificação de documentos e de abuso de confiança relacionadas com a gestão de carteiras de clientes do antigo BES. Em causa estão financiamentos às holdings falidas da família Espírito Santo com dinheiro de clientes do BES, por via de obrigações emitidas e de seguida recompradas pelo banco, em articulação com os veículos Eurofin. As transacções decorreram semanas antes do colapso e já com o BES impedido por Carlos Costa de manter negócios com partes relacionadas. O Eurofin, que actua como prestador de serviços do grupo português, garante não ter colocado ou promovido produtos de investimento para o GES ou clientes do BES e desconhecer o contexto em que as operações se desenvolveram.

As transacções foram executadas pelo Departamento Financeiro, de Mercado e Estudos, quando este era tutelado pelo ex-CFO Morais Pires, com a colaboração de Isabel Almeida, ex-directora financeira. Tal como António Soares, ligado à administração do BES Vida, Isabel Almeida foi constituída arguida na sequência das investigações desencadeadas na quinta-feira pela unidade de combate à corrupção da Polícia Judiciária. O PÚBLICO sabe que há outros altos quadros do grupo notificados, ainda antes das buscas que decorreram em vários pontos do país. Os principais responsáveis do ex-BES, como, por exemplo, Ricardo Salgado (este visado também no processo Monte Branco) e Morais Pires são já arguidos neste processo.

As diligências policiais desencadeadas esta semana, com origem numa queixa-crime apresentada em Setembro pelo BdP (após o relatório de auditoria forense contra actos da anterior gestão de Salgado), abrangeram 41 locais, 34 deles domiciliários. A acção policial no BES antigo, que funciona agora na Rua Barata Salgueiro, e nas instalações do Novo Banco – na sede, no 14.º andar da Avenida da Liberdade, em Lisboa, e no Taguspark, em Oeiras, onde está todo o acervo documental do grupo – resultou na “apreensão” de cerca de cinco milhões de registos informáticos.

O PÚBLICO sabe que as inquirições abrangeram habitações de quadros do Novo Banco de segunda e terceiras linhas, gerentes e subgerentes de agências, espalhadas por vários pontos do país. Com excepção da ex-administração de Salgado, toda a estrutura de efectivos do BES manteve-se operacional, daí as buscas ao Novo Banco e a alguns dos seus quadros.

A casa de Ricardo Salgado, em Cascais, voltou quinta-feira a ser alvo de buscas, agora num contexto distinto do processo Monte Branco. Os investigadores visitaram ainda as residência de ex-gestores do BES, como o ex-CFO Morais Pires e Joaquim Goes, que pertencia à comissão de partes relacionadas, criada no final de 2013 por recomendação do BdP. O seu objectivo era garantir que a circulação de fundos do BES para o GES seria interrompida, o que acabou por não se verificar.

O Ministério Público poderá ter aproveitado a acção desta semana, ampla, para recolher dados sobre outros inquéritos em curso. Existe uma suspeita de que Salgado possa ter recorrido a um “saco azul”, o ES Enterprise, para movimentar cerca de 300 milhões de euros para pagamentos não documentados dentro do grupo, mas também a terceiros da esfera privada e pública. A informação já noticiada pelo PÚBLICO concentra as atenções policiais que procuram determinar a abrangência da acção do ES Enterpise , com sede na Suíça. O GES usava os veículos Eurofin para movimentar as verbas para o ES Enterprise.

A revista 2 do PÚBLICO de 19/10/2014 (ver Crónica do Fim do Império), revelou dois “negócios” no radar das averiguações: a pedido de Salgado, a Escom (detida pelo GES e devedora do BES), vendeu em 2006, ao construtor José Guilherme (de quem o banqueiro diz ter recebido uma prenda de 14 milhões de euros) cerca de 30% das três Torres de Luanda em construção, por sete milhões de dólares. A posição foi revendida à Escom, antes da venda dos andares, por 34 milhões.

A segunda operação controversa está associada à dívida ao BES do universo empresarial do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, com créditos, em 2012, da ordem dos 600 milhões. O ex-CFO do BES, Morais Pires, reestruturou a dívida e colocou-a em fundos do BES Vida e da ESAF, o que permitiu retirar pressão sobre Vieira, que deixou de constar na lista dos grandes devedores ao BES exigida pelo BdP e pela troika.

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