Áquila: uma nova constelação no firmamento da produção audiovisual portuguesa

Os prémios Áquila evidenciam a sensação de um divórcio problemático entre os críticos e alguns produtores e o público em geral

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Com o anúncio da criação dos prémios Áquila, destinados a enaltecer a popularidade de produções cinematográficas e televisivas realizadas em Portugal, urge reflectir acerca da sua pertinência e daquilo que propõem trazer de novo. Com efeito, estes galardões são inéditos e sintomáticos na medida em que introduzem uma dimensão democrática pouco comum neste tipo de contexto.

A ideia de salientar obras e prestações artísticas ou técnicas é antiga e bem conhecida. No caso da televisão e do cinema, prémios como os Oscars, os BAFTA, os Emmys ou os Golden Globes são, provavelmente, os mais conspícuos. Por cá, temos tido os Globos de Ouro, e, mais recentemente, os Prémios SPA e os Sophia. Assim sendo, e tendo em conta que os prémios referidos representam praticamente todos os quadrantes do gosto, desde o “lowbrow” telenoveleiro até ao “highbrow” erudito, porque é que há espaço e faz sentido haver mais prémios deste género?

Vejamos, então: se existe algo transversal à maioria destes certames é o recurso a uma comissão, uma “academia”, que elege o/a premiado/a em cada categoria. Assim, o “ethos” de certas personalidades, muitas delas com ligações directas ao meio e com interesses corporativos, é usado para legitimar o prestígio do prémio em causa. De facto, poucos são os galardões que deixam ao critério do público em geral as escolhas finais, e mesmo quando se dá o caso, isso tende a acontecer apenas de forma parcial. Ora, o que acontece com os Áquila é que esta lógica é nivelada ao ponto de “tabula rasa”.

A vontade dos espectadores

Normalmente, o sucesso comercial de determinado produto é um prémio por si só. O que parece estar em causa com os Áquila é a necessidade, provavelmente advinda da sensação de um relativo défice democrático, de sublinhar a vontade dos espectadores. De certo modo, poderá estar subjacente nestes prémios e na sua metodologia pouco ortodoxa a mensagem implícita de que se pensa que o público em geral provavelmente não se revê nas escolhas que uma certa oligarquia do gosto tem feito ao longo dos anos.

Como é evidente, este sistema transporta consigo um dos grandes defeitos da democracia, que é o pressuposto de que um voto informado é tão válido quanto o de um ignorante. Porém, se efectivamente avançamos para uma sociedade assente no princípio da igualdade, temos de conceder que começa a haver pouco espaço para que os bastidores ditem o “hall of fame” da produção portuguesa. Quarenta anos depois do 25 de Abril, Portugal tem hoje um público ávido de participação e de poder de decisão nestas matérias, criado em parte por quase duas décadas de “reality shows” sucessivos que, para o bem e para o mal, têm colocado o destino dos participantes nas mãos das pessoas (ou dado essa ilusão).

Em suma, enquanto sintoma social, os Áquila evidenciam a sensação de um divórcio problemático entre os críticos e alguns produtores e o público em geral. É possível sentir-se, mais uma vez, o vento de mudança neste meio. A ver vamos no que tudo isto dá.

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