Seis dos sete especialistas condenados pelo sismo de Áquila foram agora absolvidos

Em 2012, sete especialistas tinham sido condenados a seis anos de prisão por homicídio involuntário, devido a falhas na comunicação do risco sísmico. A condenação suscitou indignação mundial.

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O sismo de Áquila de 2009 destruiu muitos edifícios da cidade italiana JOE KLAMAR/AFP

Esta segunda-feira, o Tribunal de Recurso de Áquila absolveu seis dos sete especialistas que, em 2012, tinham sido condenados a seis anos de prisão por homicídio involuntário, devido a falhas na comunicação do risco sísmico à população da cidade de Áquila, em Itália. Dias depois dessa comunicação, ocorreu, em Abril de 2009, um sismo que originou a morte a mais de 300 pessoas. O sétimo especialista condenado, na altura subdirector do Departamento de Protecção Civil italiano, viu agora a pena reduzida para dois anos de prisão com pena suspensa.

Antes de mais, os factos. Na madrugada de 6 de Abril de 2009, um sismo de 6,3 graus de magnitude atingiu Áquila, destruiu muitos dos seus edifícios históricos e causou a morte a 309 pessoas. Mas o caso não teria tido mais repercussões, se dias antes do sismo não tivesse havido uma reunião da Comissão Nacional para a Previsão e Prevenção de Grandes Riscos italiana e, em seguida, um dos seus membros não tivesse feito declarações públicas sobre o risco de ocorrência de um grande sismo.

No final da reunião, Bernardo de Bernardinis, então subdirector do Departamento de Protecção Civil de Itália, dependente da Presidência do Conselho de Ministros, declarou aos jornalistas que a actividade sísmica elevada na região nos últimos tempos não constituía “nenhum perigo”: “A comunidade científica assegurou-me que estamos numa situação favorável devido à libertação contínua de energia sísmica.” E quando lhe perguntaram se as pessoas podiam relaxar e “beber um bom copo de vinho”, ele respondeu “absolutamente”.

No entanto, os ecos dessa famosa reunião, dados por outros cientistas presentes e vindos a público na altura da condenação, davam conta de que, no encontro, os especialistas em sismos e vulcões não tinham sido assim tão assertivos a descartar a possibilidade de um sismo. E que o objectivo da reunião era acalmar a população, mas que os cientistas só perceberam isso mais tarde. De qualquer forma, os cientistas da comissão, ouvindo a mensagem tranquilizadora transmitida às populações, não vieram clarificar, na altura, o que significa risco sísmico — ou seja, que é impossível garantir que um sismo não vai acontecer. Tal como também é impossível prever o dia, a hora, o epicentro e a magnitude de um sismo.

Seja como for, a forma de comunicação do risco do sismo de Áquila acabou por levar a tribunal os seis cientistas e um responsável da protecção civil. A acusação, através do procurador Fabio Picuti, considerou que a comissão deu “informação incompleta, imprecisa e contraditória” e centrou a questão na forma como o risco sísmico foi comunicado: “Sei que eles não conseguem prever sismos. A base da acusação não é que eles não conseguiram prever o sismo. Como funcionários do Estado, tinham certas obrigações por lei: avaliar e caracterizar os riscos em Áquila.”

Além de Bernardo de Bernardinis, engenheiro hidráulico de formação, em Outubro de 2012 foram condenados a seis anos de prisão os seguintes especialistas: Franco Barberi, então vice-presidente da Agência de Protecção Civil de Itália e vulcanólogo da Universidade de Roma; Enzo Boschi, geofísico da Universidade de Bolonha e na altura presidente do Instituto Nacional de Geofísica e de Vulcanologia de Itália; Mauro Dolce, engenheiro sísmico e responsável pela área do risco sísmico no Departamento de Protecção Civil; Giulio Selvaggi, sismólogo do Instituto Nacional de Geofísica e de Vulcanologia; Claudio Eva, sismólogo da Universidade de Génova; e Gianmichele Calvi, engenheiro sísmico da Universidade de Pavia.

Inédita nos tempos actuais, a sentença motivou reacções por todo o mundo. Era um processo contra a ciência, disse-se. “Estamos profundamente preocupados, não é só a sismologia que é julgada, é toda a ciência”, declarava Charlotte Krawczyk, da União Europeia das Geociências. “As pessoas estão a perguntar: ‘Isto é realmente verdade?’, ‘que consequências terá sobre a comunicação pública dos riscos?’” A União Americana de Geofísica foi outra das vozes contra a condenação. “Para os cientistas serem eficazes, têm de apresentar os seus resultados de boa-fé, sem o risco de serem perseguidos. Resultados como este em Itália podem desencorajar os cientistas de aconselhar os governos, de comunicarem as suas investigações ao público ou até de trabalharem em várias áreas da ciência.”

Reacções à sentença

Mas os sete especialistas italianos recorreram da sentença. Enquanto o procurador-geral de Itália, Romolo Como, pedia a confirmação da sentença da primeira instância, os advogados dos acusados reclamavam a absolvição dos especialistas.Todos foram absolvidos esta segunda-feira — excepto Bernardo de Bernardinis, que ficou associado ao episódio do copo de vinho. Segundo a agência noticiosa AFP, foi condenado a dois anos de prisão com pena suspensa devido à morte de certas vítimas do sismo e ilibado da morte de outras.

Na sala de audiências, a leitura da sentença foi recebida com apupos do público, que gritou para os magistrados: “Tenham vergonha, tenham vergonha.” E, no final, Romolo Como mostrou-se “muito desconcertado” com esta segunda sentença, relata ainda a AFP: “Podia imaginar uma redução grande das penas, mas não uma absolvição total.”

Já o actual presidente do Instituto Nacional de Geofísica e de Vulcanologia de Itália, Stefano Gresta, ficou “muito satisfeito” com este resultado, considerando que restitui “a credibilidade a toda a comunidade científica italiana”.

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