Na pirâmide dos dias

Comemos “fast”, saltamos de rações para renovadas porções gourmet do que sempre foi rápido, porque o lume brando traz sabores que não são para já

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Eduardo Munoz/Reuters

Eis um senhor importante nas cábulas da escola, chamado Maslow. Disse-nos ele praticamente tudo a saber sobre as necessidades. As simples, que não incluíam "wifi" como hoje parece ser indispensável à pirâmide dos dias, como no “meme” que pôs de novo a lume a importância dos seus estudos e o interesse em revê-los. É que as coisas estão a mudar-nos na pele e no avesso, bichos: xixi, cama, comer; segurança na selva urbana e aconchego no espaço ou num abraço; bem-estar e crescimento de espírito, ao tamanho que te sirva o ego elástico, como só nós o temos. Esta última parte será mais aleatória, se para “crescer” vem o “actualizar” que hoje se baseia num “refresh button”, batido ao minuto, com medo de perdermos alguma coisa até na casa de banho (onde o xixi costumava vir primeiro).

Ora, contestado por psicanalistas e alguns comportamentalistas pela falta de aprofundamento, a verdade é que Maslow não resolveu um problema mas a sua análise evolutiva das necessidades, de petiz a graúdo, abriu portas para movimentos de psicologia humanista preocupados com uma “happiness agenda” que, hoje, traz novas arrelias à comunidade científica e educacional.

A "Happiness Agenda" não vem em Moleskine. Mas ainda que nela a mijadela continue a ser algo tão basicamente bom, à base têm-se vindo a sobrepor, de algum modo, necessidades de relacionamento social modificadas pelos mecanismos “sociais” em si. A falta de tempo ou novos papéis e estruturas começam por alterar a disponibilidade para tudo, até para comer, como já havia revelado Michael Pollan em “Unhappy Meals”. Comemos “fast”, saltamos de rações para renovadas porções gourmet do que sempre foi rápido, porque o lume brando traz sabores que não são para já.

Entre a correria dos tempos, do engordar dos dias, e da globalização das relações a uma escala macro - como a economia em crise -, a pirâmide relembra-nos do que nos estamos a afastar ou de mudanças que amanhã nos farão… diferentes.

Lori Evans - psicóloga na New York University - discutia comportamentos que na infância traduzem novas necessidades para os novos adultos. A superficialidade pode ter várias versões de si mesma, de forma instantânea e pública, e se antes a exclusão era um problema agora a necessidade de inclusão é por si o problema maior: “worldwide”, online. “Em mais novos, ficávamos horas ao telefone com uma pessoa”, disse Evans ao NY Times. “Hoje, as mensagens são instantâneas, em grupos de chat” quando… “O Facebook não é uma conversa.”

Se é ou não, verdade que o plástico também não é bem comida e vamos papando a coisa já de forma normalizada. Gary Small, autor de "iBrain: Surviving the Technological Alteration of the Modern Mind” acredita que a nova geração de nativos digitais vem reconverter as necessidades, a pesquisa, a actualização e o relacionamento, criando gente dotada de “skills” apuradamente técnicos, mas desprovidos, por exemplo, de capacidades de interacção pessoal. Ou esta, necessariamente, já não voltará a ser o que era.

Pois nem a pirâmide. Nem nós.

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