Quando o vídeo entra na corrente. E muda de curso

Há uma coisa que ainda hoje em dia nos consegue surpreender quando saída das mãos do homem, assaltando-nos os cinco sentidos. E essa coisa é um bom videoclipe

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Nas passadas duas décadas a cena musical foi particularmente abençoada com sincronias prodigiosas, estreitando-se laços entre grandes canções e projecções visuais sobre elas. Vídeo/“video mapping”, vectores do design e do “motion” e todo o acrescento em torno da música têm lavado vistas e almas, conseguindo-se elevar “singles” através de narrativa e imagem capazes de amplificar sentimentos e reacções mais viscerais nascidas dali, daquele bom casamento — como já os há poucos.

Construir momentos que vão além do espectro musical, mas também ele cinematográfico, é entrar numa dimensão de grandeza que — para a geração ligada a cabos — se torna num dos mais inspiradores veículos de referentes culturais. É, por isso, um desafio no qual é difícil embarcar e para o qual a técnica não basta. Que o digam figuras icónicas como Chris Cunningham, Spike Jonze ou Michel Gondry, cuja superação constante vai bem além da perícia (essa que nos leva muito rapidamente aos limites da técnica e da carteira).

Não haverá, assim, uma receita/estilo a seguir, sendo mais segura a aposta na imensa capacidade semiótica das artes e an (esperada) capacidade de abstração do bicho homem.

Os The Buggles cantavam “Video Killed the Radio Star”, mas já passámos há muito esse nervo, mais a mais, quando assistimos à decadência dos canais que “nele” se especializaram ou no modo já instantâneo com que se disparam banalidades para a internet que não deixam muita interpretação de ninguém, aos olhos e aos ouvidos do mundo.

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No entanto, podemos dar-nos por felizes pelo crescimento de plataformas como a Nowness, onde o vídeo se encara como manifesto artístico, tendo como aliados a música, a palavra e o registo documentário. Combinações que nos levam da ponta da fotografia ao estreito do design, passando por performances que ali moram no frame certo.

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Essa poderosa combinação é algo que o realizador inglês Rob Chiu nos tem garantido com os seus últimos trabalhos e, mais precisamente, no último mês. Depois de se tornar a cara metade do gigante We Disappear, por Jon Hopkins na última release do álbum Immunity pela Domino Records, apresenta-nos “Nile” do prodigioso Douglas Dare, artista revelação da Erased Tapes — que alberga gente crescida como Nils Frahm ou Olafur Arnalds. Disponibilizado em exclusivo a partir da Nowness, a plataforma vem enaltecer o talento e conceptualização do realizador, a manter debaixo de olho.

Filmado sobretudo Norte de Inglaterra, Chiu desenhou os murmúrios de Dare da forma mais pessoal que soube: a sua própria noiva é a figura central sob a qual foi explorando uma dimensão fotográfica ao longo dos últimos meses e em cima das frames dela, Anne, conta agora uma destruição lenta em camadas que deixam muito à interpretação de cada um.

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