O teatro a fazer teatro

Em Círculo de Transformação em Espelho, o Teatro Oficina explora os limites da ficção e da relação entre actores e espectadores. Para ver em Guimarães, até domingo.

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A peça Círculo de Transformação em Espelho Teatro Oficina

Actores e público, todos estão em palco na peça Círculo de Transformação em Espelho do Teatro Oficina. O espectáculo permite o regresso a um convívio entre dois grupos habitualmente separados pela quarta parede e que já tinha sido tentado com Rei Lear do ano passado.

Desta feita, a companhia vai mais longe no teste aos limites da ficção. É a sua criação mais arriscada e está em cena, até domingo, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF).

Há duas linhas de força nesta proposta e ambas estão relacionadas com o gesto fundador da montagem: encenar o espectáculo em cima do palco, fechado por uma parede falsa, e com actores e público reunidos como se formassem um só grupo. É essa condição que provoca a tensão mais evidente do espectáculo, alimentada pela proximidade. Num momento, há interacção entre espectadores e criadores – conhecem-se os nomes de cada um, falam-se, tocam-se; no seguinte, retomam a sua posição clássica.

 “Interessava-me testar a ética do actor numa situação como esta”, explica o encenador e director-artístico do Teatro Oficina, Marcos Barbosa. “Queria perceber como é que eles se protegem nos momentos coletivos e depois conseguem manter a integridade da representação”.

O outro conflito deste Círculo de transformação em espelho está na fronteira entre a realidade e a ficção. Com os espectadores dentro do palco e a tomarem parte no espectáculo, às vezes torna-se difícil perceber quem é quem ali. Essa é uma sugestão menos evidente no texto de Annie Baker (2009). A peça acompanha seis semanas de um workshop de teatro num centro comunitário em que participam cinco pessoas. Ao longo desse tempo, os personagens vão interpretando pedaços das histórias de vida dos colegas e, por vezes, esse limite da ficção é ultrapassado. Ao adicionar outros 50 participantes ao curso de teatro (o número de espectadores que têm lugar em cada uma das sessões), o Teatro Oficina acrescenta ao espetáculo mais uma camada de questionamento sobre o que é a realidade.

Esta não foi, porém, a primeira escolha de Marcos Barbosa, que queria ter encenado outro texto da dramaturga norte-americana, The Flick – que este ano ganhou o prémio Pulitzer. Mas a demora na solução da questão dos direitos sobre a obra obrigou a uma mudança de planos. “Voltei a esta peça, que já tinha lido, e ela levou-me de volta para o que tínhamos feito no Rei Lear”, conta. 

De facto, este Círculo de Transformação em Espelho tem óbvios pontos de contacto com a última encenação de Barbosa a partir do texto de Shakespeare. Em Rei Lear (menção especial nos Prémios da Associação Portuguesa de Crítica de Teatro do ano passado) o público era convidado a sentar-se à mesa juntamente com os actores. No entanto, a interacção entre os grupos era mais limitada e o texto assumia um papel muito mais central. Agora, é sobretudo o dispositivo cénico que marca o espetáculo. Mas o questionamento essencial é o mesmo “Será que a nossa vivência deste momento é mais intensa por fazermos parte dele?”, pergunta o encenador.

Cada espectador poderá encontrar a sua resposta até domingo, no pequeno auditório do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Depois da estreia no último Festival de Almada a companhia regressou ao palco de “casa” esta quinta-feira. Seguem-se mais duas apresentações esta sexta-feira e uma em cada um dos dois dias seguintes.  “É um espectáculo para ver até onde podemos ir”, diz Barbosa. “Sinto que temos essa obrigação. Somos uma companhia que tem boas condições de trabalho. É como se tivéssemos uma rede que nos permite arriscar”.

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