Os músicos do futuro em festa na Gulbenkian

A quarta edição do Festival Jovens Músicos, que decorreu até anteontem, mostrou a pujança e a crescente qualidade artística da nova geração de instrumentistas portugueses.

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O vencedor da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos é o clarinetista Horácio Ferreira PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: Ana Madalena Ribeiro, violinista PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: Catarina Rebelo, harpista PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: Daniel Hart, pianista PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: Edna Gonçalves, trompista PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: João Diogo Leitão, guitarrista PEDRO ARAÚJO PINA
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Finalista da 28.ª edição do Prémio Jovens Músicos: José Valente, acordeonista PEDRO ARAÚJO PINA
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O ambiente no foyer: público de todas as idades PEDRO ARAÚJO PINA
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A Antena 2 transmitiu o festival quase ininterruptamente pela rádio e disponibilizou alguns concertos na sua Web TV PEDRO ARAÚJO PINA

Desde que o compositor Luís Tinoco, director do Prémio Jovens Músicos (PJM), decidiu criar um festival para dar a conhecer melhor o perfil dos premiados, e ao mesmo tempo promover a divulgação de novas obras, debates, lançamentos de discos e outras actividades, que o sucesso da iniciativa tem sido crescente. Foram dias de efervescência e entusiasmo os que se viveram entre quarta e sexta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, onde o festival associado ao concurso promovido anualmente pela RTP através da Antena 2 se realiza desde 2011.

O ambiente não podia ser mais contrário aos anúncios fatalistas da “morte da música clássica”, que têm emergido nalgumas publicações internacionais nos últimos anos. Público de todas as idades circulava entre os foyers, tentando concentrar-se nas obras interpretadas nesse espaço aberto ou nas conversas entre os músicos e diversos intervenientes da vida musical promovidas pela Antena 2 (que transmitiu o festival quase ininterruptamente pela rádio e disponibilizou alguns concertos na sua Web TV). Por vezes o burburinho dificultava a audição das obras e das conversas (talvez fosse mais eficaz transferir os lançamentos de CD para o foyer do primeiro Piso, mais resguardado), mas o ameno convívio também faz parte destas ocasiões.

Nos concertos no Grande Auditório, a atitude de escuta era outra, mas permaneceram de forma salutar as reações efusivas no final de cada interpretação, por vezes reveladoras das claras preferências do público. No geral, estas parecem ter coincidido com as do júri na Grande Final da 28.ª edição do PJM na quarta-feira, durante a qual os solistas laureados se apresentavam com a Orquestra Gulbenkian, dirigida por Pedro Carneiro, também ele um ex-premiado. Deste conjunto apurado nas eliminatórias anteriores — constituído pelo pianista Daniel Hart, o clarinetista Horácio Ferreira, o guitarrista João Leitão, a trompista Carolina Edna Fernandes, o acordeonista José Valente, a harpista Catarina Rebelo e a violinista Ana Madalena Ribeiro — deveria ser escolhido o Jovem Músico do Ano, destinatário do Prémio Maestro Silva Pereira. O eleito foi o clarinetista Horácio Ferreira, cuja técnica impecável, somada à magnética interpretação do 1º andamento do Concerto de Aaron Copland, fazia prever um lugar cimeiro.

Mas os restantes solistas mostraram também qualidades que anunciam promissoras carreiras. É o caso de José Valente, distinguido com o prémio União Europeia das Competições Musicais para Jovens no primeiro ano em que o acordeão entrou na competição. Também a harpa teve a sua estreia no concurso, sendo representada por Catarina Rebelo, que mostrou um nível técnico e artístico notável para os seus 15 anos num excerto da peça de concerto de Saint-Säens. A destreza de Carolina Fernandes (trompa) no difícil Concerto de Richard Strauss, a verve de Ana Ribeiro (violino) em Brahms ou a elegância e a sonoridade de João Leitão (guitarra) são igualmente dignos de nota. De uma maneira geral, tanto na categoria de nível médio como na de nível superior impressiona a qualidade crescente da nova geração no plano técnico e artístico.  Estes jovens vêm de vários pontos de Norte a Sul do país e fizeram a sua formação em diferentes escolas e conservatórios antes de ingressarem nos estudos superiores (no caso dos mais velhos). Horácio Ferreira, o Jovem Músico do Ano 2014 começou a tocar clarinete aos oito anos na Sociedade Filarmónica Lealdade Pinheirense, estudou depois no Conservatório de Coimbra e na Escola Profissional de Música de Espinho e licenciou-se na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto com António Saiote. Actualmente estuda na Escola Superior de Música Reina Sofía de Madrid. Numa entrevista prévia à Antena 2, anunciou que vai participar este ano num importante concurso internacional na Roménia e no Festival de Praga e que tem como sonho entrar numa grande orquestra mundial.

Pujança
O festival não é só uma montra dos melhores candidatos de cada ano, mas procura também dar visibilidade aos projectos e ao percurso artístico do premiados em anos anteriores. Nessa perspectiva assistiu-se ao lançamento do CD de Filipe Quaresma, hoje com uma carreira consolidada, dedicado a obras para violoncelo solo de compositores portugueses como Alexandre Delgado, Carlos Azevedo, Miguel Azguime, Nuno Corte Real e Ricardo Ribeiro (edição ArtWay) e ao pré-lançamento do CD do Trio Pessoa (formado pelo violinista Otto Pereira, a violoncelista Raquel Reis e o pianista João Crisóstomo), que deu a a ouvir ao vivo em primeira audição integral mais um excelente conjunto de peças de Mário Laginha: Danças em Piso Irregular. O futuro e a inserção na vida musical são também temas prementes no Festival Jovens Músicos que este ano deram lugar aos debates Programação – que estratégias?; Formação – E depois da Academia? e Música em Rede – que novas formas de divulgação?, a cargo de programadores, musicólogos, professores, músicos e outros agentes do meio cultural.

O Festival Jovens Músicos incluiu ainda concertos pelo Drumming Grupo de Percussão (programa Desconstruindo a Bossa), pelo duo de percussão Sforzando (formado por Tomás Moital e Miguel Filipe, ex-laureados do PJM), o Concerto dos Laureados em Música de Câmara (com o Duo de Percussões da Metropolitana, o Trio Portucale e a Camerata Nov’Arte), o Concerto do Estágio Gulbenkian de Orquestra, dirigido por Jan Wierzba, também ex-laureado do PJM, e a da Camerata Atlântica, dirigida pela violinista Ana Beatriz Manzanilla. Neste último concerto foi solista o oboísta Guilherme Sousa, Jovem Músico do Ano 2013. A qualidade de som, a clareza e os fraseados elegantes que mostrou no Concerto para oboé, de Alessandro Marcello, distinguiram-se num programa em que os intérpretes foram construindo gradualmente interpretações mais convincentes, culminando nos desafios rítmicos das Danças Populares Romenas de Bartók e na arrebatada peça de Piazolla tocada como encore.

No encerramento ouviu-se em estreia absoluta a obra vencedora do Prémio de Composição SPA/Antena 2: ...from the last breath, de Daniel Davis. A peça começa com uma paisagem sonora rarefeita de grande subtileza tímbrica e harmónica, evoluindo depois para uma textura de maior densidade e um imponente clímax dinâmico. Revela um bom domínio dos recursos orquestrais e um discurso estruturado e fluente que cativa o ouvinte continuamente. Seguiu-se a derradeira apresentação do Jovem Músico do Ano de 2014, Horácio Ferreira, que voltou a encantar a assistência com a sua carismática interpretação do Concerto de Copland, desta vez na totalidade. O concerto, do qual há a destacar a direcção atenta e envolvente de Pedro Carneiro à frente da Orquestra Gulbenkian, terminou com a Sinfonia nº 3, de Luiz de Freitas Branco, obra ambiciosa pelas suas amplas dimensões, mas também pelos rasgos de experimentalismo da linguagem, que ganham forma no seio de uma construção cíclica. Esta composição, que merecia um lugar mais destacado na nossa vida musical, estabeleceu assim uma ponte entre a pujança da música portuguesa de um passado não demasiado distante e a florescente criatividade ao nível da interpretação e da composição das  novas gerações. Pena que a actual crise e a cegueira do poder político em relação à cultura em Portugal deixem entrever um futuro profissional demasiado incerto para o manancial de jovens talentos que têm emergido das sucessivas edições do PJM.

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