Nuno Markl: "Ninguém nos pode insultar pior do que nós próprios"

O humorista acha que a auto-paródia é a melhor forma de terapia para os momentos mais embaraçosos. No Famous Humor Fest vai demonstrar isso num workshop

Fábio Teixeira
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Pedro Cunha
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"Como ser um saco de pancada deprimente e vencer na vida" é o verboso título da masterclass que o radialista Nuno Markl vai levar ao Famous Humor Fest no dia 26 de Setembro. Falamos com ele sobre capitalizar nas nossas próprias idiotices.

Em "Como Ser um Saco de Pancada" vais conduzir um workshop com base nas tuas histórias tragicómicas pessoais. Queres ensinar as pessoas a ter uma vida embaraçosa?

Ninguém nos pode insultar pior do que nós próprios! Epá, eu cheguei à conclusão que do meu humor, o que melhor funciona junto do público é quando me uso a mim próprio como saco de pancada. E é fácil perceber porque funciona, porque no fundo situações embaraçosas acontecem a toda a gente e o que eu faço é expô-las. Com isso acabo não só por ser o palhaço das pessoas como toco em qualquer forma de terapia. Já dei outros workshops de escrita criativa, mas este é temáticamente específico. Espero que mais do que uma oficina seja também divertido.

Quando falas em catarse, não estás a dizer que vais ter yoga do riso ou psicanálise...

Não, de todo (risos). O que vamos tratar vai ser como pegar num incidente embaraçoso que em condições normais esconderíamos — pegar nele e torná-lo numa história que poderá divertir outras pessoas. Acaba por ter uma componente de auto-ajuda, o que é meio bizarro.

Este workshop não é direccionado apenas a criativos...

Não, eu acho que se aplica a qualquer pessoa. Vou expôr as técnicas que uso para fazer conteúdos como "O Homem Que Mordeu o Cão", de forma a transformar coisas que preferíamos esquecer em histórias capazes de nos divertir a nós e às pessoas mais próximas.

Estás a pensar em chumbar alguém só para poderes usar um exemplo de tragédia pessoal?

Não, toda a gente está aprovada assim que entrar! É o que as pessoas merecem por acharem que isto vai ser minimamente interessante. Eu tentei que o próprio título fosse não muito apelativo — mas ao mesmo tempo vai ser muito interessante. Não vai ser feito à base de exercícios, vai desenvolver-se muito à volta de timing, suspense, técnicas variadas de storytelling.

Assim em jeito de preview, queres partilhar uma história embaraçosa tua?

Histórias embaraçosas comigo chovem. Por esta altura já tenho um misto de dor e prazer quando ela acontece, porque é embaraçoso mas também porque me dá material. Mas por exemplo, este fim-de-semana fui até ao Porto com a equipa do "Deixem o Pimba em Paz" fazer o espectáculo deles. Correu tudo muito bem. O público do Porto foi tão incrível que ficamos galvanizados — saímos de lá com o ego altíssimo, de rockstars. Acabamos por nos deitar tarde, e quando acordamos já não havia almoço no hotel. Mas quando descemos ao lobby havia uma mesa montada com pequenos pastéis e café. Achamos gentil porem aquilo à nossa disposição por termos faltado à hora do pequeno almoço, e fomo-nos servindo alarvemente. O primeiro sinal que algo corria mal foi quando uma senhora saiu da sala de conferência e se vira para mim enquanto como um pastel de nata: "ai isto é que é humor?". Respondi que não, que era apenas um pastel de nata muito bom, e continuei a comê-lo à frente dela. Só percebemos o que se estava a passar quando saíram as restantes senhoras da sala de conferências e nos apercebemos que tínhamos estado a chafurdar valentemente no catering delas. Ainda hoje sou atormentado pelo que uma delas me disse: "Então as natinhas, estavam boas?"

Tu começaste pela escrita do humor, mas entretanto já atravessaste todas as plataformas possíveis de comédia. Para ti, qual é a forma mais querida de humor?

Eu acho que a escrita está acima de tudo. E não necessariamente escrever para mim. Já tive a sorte de escrever para bons actores, que os há por cá, e gosto sempre quando essa oportunidade surge. Tenho muita liberdade quando escrevo para mim, mas também gosto de escrever para outros. Poria a rádio ex-aequo com a escrita, e a medalha de bronze seria para a televisão.

No teu contacto com o mercado de comédia, achas que o público português tem apetência e aptidão para o humor ou falta algo?

Eu acho que falta muita coisa, mas talvez não ao público. Acho que faltam oportunidades que, por exemplo, televisões portuguesas dêm a formatos de comédia. Acho que tivemos um boom muito interessante na comédias nos anos 2000. Foi um boom que deixou sementes e criou uma geração de humoristas. E por um lado estamos a atravessar um momento onde as pessoas precisam de rir, mas por outro lado, no meio de toda esta amargura parece que também não há tanta leveza e facilidade em aceitar o riso. Fora isso, acho que continua a haver por parte das televisões a ideia que o humor, por não ser uma forma de arte tão consensual, não é considerado bom negócio. Julgo que é por isso que eu acho que há menos séries de humor e mais reality shows - que estão para lá da sátira.

E no que toca a humor sobre a crise, achas que a comédia em Portugal conseguiu tratar bem o tema?

Eu acho que conseguiu, nas mais variadas plataformas. De um modo geral é um terreno fértil, e acho que e conseguiu abordar o tema. A questão é que a nossa realidade é muito pequenina. São sempre os mesmos protagonistas, e por isso andamos todos a fazer as mesmas piadas. A nossa actualidade é rica, mas muito pequenina. Quando olhamos para o Daily Show e vemos o Jon Stewart a abordar coisas que se passam nos recantos dos 50 estados, com tantos protagonistas, vê-se a diferença. É um pantone muito maior - os Estados Unidos têm aqueles estojos Carioca de 42 canetas e nós só temos um de doze marcadores.

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