José Carlos: “Os clubes não podem apenas servir-se do jogador enquanto activo”

Vice-presidente do sindicato falou ao PÚBLICO da desunião entre a “classe” dos jogadores e das pressões exercidas pelos clubes.

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José Carlos, vice-presidente do Sindicato dos Jogadores Rui Gaudêncio

Descreve-se como um “faz tudo” no Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF). José Carlos, ex-jogador do Benfica, é actualmente vice-presidente do SJPF e um dos seus rostos mais visíveis. No Estágio do SJPF ajuda a orientar os treinos, transporta material e até do trata do gelo. Ao PÚBLICO fala da desunião entre a “classe” dos jogadores e das pressões exercidas pelos clubes para que os futebolistas não dêem a cara ao lado do sindicato.

É algo estranho falar em sindicalismo no futebol.
No futebol, o jogador é sempre o protagonista. É um jogo colectivo, mas é uma forma de cada um organizar a sua vida. Sem querer, há um egoísmo muito grande no jogador de futebol. Quando não tem problemas não se preocupa, esquece-se não só do sindicato mas dos colegas que têm problemas noutras divisões. E cabe ao sindicato marcar presença nesses locais, alertar esses jogadores para a importância de serem sindicalizados, porque em termos de voz e imagem são muito importantes. É muito importante termos ao nosso lado essas figuras de referência. A visão sobre o sindicato tem mudado muito nos últimos anos face àquilo que temos feito. Os próprios dirigentes já vêem no sindicato uma forma de fazer pontes e de entendimento. Nós estamos cá também para ajudar a resolver os problemas do futebol português, não só para os apontar. Há um respeito maior em relação à presença do sindicato e isso faz com que os jogadores também sejam mais respeitados. O que não quer dizer que os problemas tenham acabado.

Não deve haver uma classe profissional com disparidades salariais tão grandes como nos futebolistas. Unir uma classe destas é difícil?
É difícil, senão mesmo impossível. Noutros países é mais fácil. Em Espanha vê-se os jogadores do Real Madrid ou do Barcelona, quando há problemas, a darem a cara e a tomarem posições. Cá ainda há algum receio em tomar certas posições que possam colidir com os interesses dos clubes. Sabemos que temos o apoio deles, mas em off. A maior parte deles não o demonstra publicamente.

Há pressão dos clubes?
Poderá haver. Se os interesses colidirem, não tenho dúvidas nenhumas que os clubes vão exercer pressão para não tomarem posições públicas sobre essa matéria. Sinceramente, não nos preocupamos muito com isso. Sentimos que temos o reconhecimento e o apoio dos jogadores, apesar de ser em off. Focamo-nos muito mais naquilo que são os problemas deles: os salários em atraso, os seguros, o pós-carreira. É verdade que a classe não é unida, mas não podemos fazer muito mais para mudar isso. O que podemos fazer é resolver os problemas.

Que diferenças encontra nas dificuldades dos jogadores nos últimos anos? Há mais casos preocupantes
Temos casos variados. Alguns são os mesmos. Temos alguns jogadores que já fizeram dois ou três estágios, tentamos evitar isso, mas acontece. Temos aqui muitos jogadores que vão para o estrangeiro, depois as coisas não correm bem e voltam para aqui e depois voltam ao estrangeiro. Os jogadores já olham para o estágio como uma forma de se prepararem para aquilo que aí vem. Muitos já vêm com coisas acertadas com clubes.

O que é que o sindicato faz para evitar que os jogadores fiquem sem rumo quando acabam a carreira?
O que podemos fazer é consciencializar. Temos, por exemplo, um protocolo com o Cambridge. Quem vier ao estágio tem hipótese de frequentar um curso de dois meses completamente gratuito. Poucos vão. Estamos constantemente a chamar a atenção para que eles antevejam o fim da carreira, para pensarem longe. Procuramos acima de tudo consciencializá-los para os problemas que vêm depois, especialmente os que não têm um pé-de-meia e são poucos os que o têm. O fim de carreira é sempre complicado, principalmente quando é feito de forma abrupta. A maior parte não pensa nisso. Pensa sempre ano a ano, embora também haja quem tenha ideias esclarecidas, mas a maior parte, quando dá por isso, acabou. Olham para o lado e vêem que não chega. Não têm estudos e não sabem fazer mais nada. Os jogadores têm que se preparar cada vez mais para o pós-carreira. Um dos nossos projectos é ter cursos de formação profissional dentro do sindicato, assim que tivermos a questão da sede resolvida.

Mas ainda assim é preciso convencer os jogadores a participarem em cursos desses durante a carreira.
Os clubes não podem apenas servir-se do jogador enquanto activo e depois descartá-lo. Têm um papel fundamental que é prepará-los. Mesmo que estejam de passagem, deve haver a preocupação de dar algo mais aos jogadores. Não apenas sugar o máximo rendimento desportivo deles e depois não os aproveitar. Já se começa a ver algum aproveitamento de jogadores que deram muito aos clubes para integrarem as estruturas, mas não são muitos. O que os clubes devem fazer, no mínimo, é chamar a atenção para esta questão.

E não o fazem?
Ninguém faz. A preocupação dos clubes é o jogo, os treinos, o resultado. Ninguém está preocupado com aquilo que o jogador irá fazer quando sair do clube. Esse papel se fosse feito pelos clubes, com a ajuda do sindicato e da federação, poderia ajudar a minimizar a dificuldade do pós-carreira porque era mais do que uma entidade a bater na mesma tecla e a apresentar-lhes soluções. O jogador deve ficar ligado ao futebol porque tem o know-how todo, mas tem é que se preparar porque isso não chega.

As academias de formação insistem sempre no discurso de que dão prioridade à escolaridade.
As academias que digam o nível de formação dos jogadores que chegam à equipa A. Vamos ver os estudos do João Cancelo, do Bernardo Silva e de outros. Para tentar perceber se foi feito um bom trabalho ou não. Sei de alguns que não tiraram sequer o 12.º ano. Era curioso saber os números totais. Mas nem isso chega. Estamos a falar do 12.º ano, que é o mínimo exigível e é o mínimo que as academias devem fazer. Depois disso, há que encontrar soluções. E não é só cursos de treinador. É preciso pensar mais fora [do futebol] porque nem todos vão continuar ligados ao futebol.

Neste cenário, que rede de protecção têm os jogadores depois de acabarem a carreira?
Não caem na miséria, mas muitos têm dificuldades. Conheço alguns que jogaram na Primeira Divisão a trabalhar agora na Securitas. Há pouco tempo vieram a lume alguns casos. Não há segurança social nem nada. A reforma só vem mais tarde, não há reforma para um desportista. Já apresentámos algumas propostas na Assembleia para minimizar essa situação.

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