Dinossauros encolheram ao longo de 50 milhões de anos e tornaram-se aves

Estudo analisou a evolução de 1549 características anatómicas em 120 espécies de dinossauros carnívoros e concluiu que o aparecimento das aves foi fruto de uma impressionante evolução numa única direcção.

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Uma ilustração de pássaros Longirostravis em cima de um terópode Yutyrannus, há 120 milhões de anos Brian Choo

Um dia, uma linhagem de répteis encolheu de tamanho, viu que era possível subir às árvores e acabou a voar. Pode-se resumir assim o aparecimento das aves, há cerca de 150 milhões de anos, nos jardins do Jurássico, quando o mundo era dominado pelos dinossauros. Uma equipa de cientistas analisou características anatómicas nos terópodes, os dinossauros carnívoros bípedes cujo representante mais emblemático é o Tyrannosaurus rex, e concluiu que houve uma linhagem que não parou de diminuir.

Em cerca de 50 milhões de anos, um animal com uma massa média de 163 quilos deu lugar ao Archaeopteryx, que viveu há 150 milhões de anos, por muitos considerada a primeira ave, com apenas 800 gramas, era 12 vezes mais pequeno do que o seu antepassado. O artigo, publicado hoje na revista Science, conclui que o processo evolutivo que deu origem às aves foi 150 vezes mais rápido do que o normal.

“Não há outro grupo de dinossauro que sofreu um período tão longo e de tão extensa miniaturização”, explicou Michael Lee, da Universidade de Adelaide, na Austrália, ao PÚBLICO. O investigador é um dos autores do projecto, a equipa recorreu a ferramentas estatísticas desenvolvidas pelos geneticistas para estudar a evolução molecular dos vírus na década passada.

No caso dos dinossauros, os cientistas analisaram 1549 características no esqueleto dos fósseis de 120 espécies de terópodes. Há várias características anatómicas que separam as aves dos dinossauros e apareceram durante este período como a fúrcula, o osso em forma de forquilha que resulta da fusão das clavículas, um esqueleto oco, membros superiores maiores, ou penas complexas. Além destas, muitas outras características anatómicas foram consideradas e contabilizadas nas 120 espécies.

A partir desta sopa de informação, e usando os métodos estatísticos da genética molecular, a equipa construiu uma árvore evolutiva dos terópodes e aves que começou há 240 milhões de anos, ainda no Triássico, e terminou há menos de 80 milhões de anos, em pleno Cretácico, o último período da era dos dinossauros que viram o seu ocaso há 65 milhões de anos. Os investigadores estimaram o grau de parentesco entre as espécies, os períodos temporais entre as separações evolutivas das espécies e a rapidez com que a evolução foi acontecendo nas linhagens.

A equipa descobriu que a linhagem onde as aves apareceram era a mais rápida a evoluir. “As aves apareceram dos dinossauros que tinham uma ‘maior capacidade de evoluir’”, defendeu Michael Lee. Por outro lado, cada linhagem que se foi separando e foi evoluindo até aparecerem as aves foi diminuindo de tamanho.

“A mudança de um dinossauro do tamanho de um cavalo para uma ave do tamanho de uma galinha durante 50 milhões de anos é impressionante, mas está completamente dentro das balizas da evolução normal. Afinal, o antepassado de todos os mamíferos placentários, do tamanho de um rato, evoluiu para a baleia-azul com 100 toneladas, em menos de 70 milhões de anos”, diz o cientista. “Porém, o mais impressionante foi a consistência da mudança de tamanho durante a transição de dinossauro para ave — cada dinossauro que aparecia era mais pequeno do que o seu antepassado. A linhagem foi continuamente testando os limites da vida em corpos cada vez mais pequenos.”

É difícil olhar para uma sequência de características que foram aparecendo e produziram uma ave. As penas, por exemplo, apareceram muito antes de funcionarem para o voo, como ornamento para atrair parceiros sexuais. Mais tarde, à medida que o tamanho dos dinossauros foi diminuindo, as penas tornaram-se importantes para isolar e aquecer estes répteis. Só depois é que surgiram as penas mais complexas e importantes para o voo.

Salto para as árvores

Mas uma mudança de nicho ecológico pode estar por trás desta evolução. “Um motor essencial poderá ter sido quando se deu o movimento para as árvores, talvez para escapar dos predadores ou para explorar novos recursos alimentares”, escreve Michael Benton, da Universidade de Bristol, Reino Unido, num artigo de análise da revista Science que acompanha o novo estudo.

Nas árvores, características destes animais como os olhos grandes para uma visão tridimensional, um cérebro maior, ou membros superiores mais alongados com uma superfície de voo expandida, terão permitido saltos de árvore em árvore cada vez mais arriscados, explica Michael Benton.

Mas esta mudança só foi possível por haver um espaço que ainda não tinha sido aproveitado pelos vertebrados. “Acho que o nicho ecológico para os pássaros (animais voadores que vivem nas árvores) existiu desde que os dinossauros apareceram, mas os dinossauros demoraram muito tempo a encontrá-lo”, defende por sua vez Michael Lee. “Originalmente, eram demasiado grandes para explorar um estilo de vida arbóreo e aéreo, e demorou algum tempo até que uma linhagem tenha evoluído gradualmente para ser suficientemente pequena.”

Este novo território foi entretanto colonizado pelos primatas ou pelos voadores morcegos, descendentes dos mamíferos que aproveitaram o vácuo deixado pelo desaparecimento dos dinossauros para se espalharem pela Terra. Mesmo aves como as avestruzes ou as emas reaprenderam a viver nos solo, neste vaivém a que a evolução permite. Mas uma nova subida às árvores parece, no entanto, complicada, defende Michael Lee: “Agora que existem 10.000 espécies de aves a preencher este nicho, seria difícil que outra linhagem colonizasse esta zona.” 

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