No escurinho do cinema longe de um final feliz

“Quer ir no cinema assistir ao Brasil-Alemanha?” Inicialmente, tinha pensado ver a partida num dos ecrãs gigantes espalhados pelo Rio de Janeiro, mas a chuva tornou a sugestão do meu colega brasileiro mais atraente. Já tinha notado que algumas salas da cidade passavam alguns jogos do Mundial, entre as últimas novidades no campo da ficção. Uma originalidade curiosa. Escolhemos um cinema de Copacabana e comprámos dois dos últimos bilhetes disponíveis pela Internet. Meia-hora antes do início da partida lá fomos, de autocarro, porque a chuva tornou-se torrencial.

No caminho, o ambiente era de fervoroso optimismo patriótico. Quase todos vestidos com as camisolas da selecção, cantavam e gritavam num clima de festa antecipada. No meio da confusão, um astuto comerciante de rua, viu uma janela de oportunidade para o negócio. “Estou fazendo promoção de capas de chuva, bem em conta. Duas por cinco reais.” Foi um êxito, que surpreendeu o próprio: “Vou ficar rico!”

Saímos do autocarro mesmo em frente ao cinema e subimos para a maior sala do edifício. Estava apinhada. Não conseguimos lugares juntos e acabei por ficar entre um corpulento adepto, com uma grande camisola amarela, e dois jovens eufóricos. No ecrã já se anunciavam as equipas e ia começar a cerimónia dos hinos. Na sala de cinema reproduzia-se o espírito do Mineirão, em Belo Horizonte. Lá e cá, todos se levantaram e cantaram com solenidade e sentimento a popular letra de Joaquim Osório Duque Estrada.

A partida começou. “Vai, Brasil!”. No Mineirão a “canarinha” aproximava-se da área alemã e a excitação no cinema carioca chegava ao histerismo, com quase toda a sala de pé. Aos 11’, o primeiro golo de Thomas Muller arrefeceu os ânimos, mas a confiança resistiu ao golpe. “Vamos lá pessoal, todos a apoiar”, berrou o senhor gigante ao meu lado direito, calmo até aí, mas que me olhava agora de soslaio, desconfiado da minha passividade.

Miroslav Klose silenciou-o, aos 23’. A ele e a toda a sala, assim como aos comentadores no ecrã e ao próprio Mineirão. E não houve sequer tempo para digerir. Como um jogador de boxe que é encurralado no canto do ringue por um oponente muito superior, todo o Brasil encaixou uma série de golpes ferozes nos instantes seguintes, sem proteger o rosto. Quando Khedira desferiu o último, aos 29’, e a Alemanha deixou a sua vítima descansar um pouco, o resultado era devastador. O país estava transfigurado, de queixo caído, incrédulo.

Começou a debandada da sala de cinema. As palavras de incentivo transformaram-se em palavrões rancorosos contra os jogadores brasileiros. “Que vergonha. Acaba já o jogo e vamos todos para casa. É uma humilhação, não vou ficar vendo isto.” Assisti ao êxodo no meu lugar e, instantes depois sobrava eu, o meu amigo, o enorme cavalheiro ao meu lado, preocupantemente apático, e mais meia-dúzia de adeptos que não queriam desperdiçar o dinheiro do bilhete, apesar das inesperadas cenas de terror na tela. O rosto de uma criança a chorar, comoveu todos.

O intervalo deu para meditar um pouco sobre as cenas chocantes da primeira parte e os mais inabaláveis crentes de finais felizes, ainda sugeriam, timidamente, a possibilidade de uma reviravolta histórica. Mas caíram “na real” no segundo tempo. A partir do sexto golo, começou-se a aplaudir a Alemanha. Do estádio de Belo Horizonte chegavam sons de “olés” dos brasileiros à sua própria selecção. O sétimo golo germânico já não doeu tanto. Era só um filme com um final triste.

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